segunda-feira, 22 de março de 2010

Slavoj Zizek e o capitalismo autoritário chinês


Cláudio César Dutra de Souza
Jornal Zero Hora, Caderno Cultura p. 6 – 13 de fevereiro de 2010.


O novo livro do filósofo e crítico cultural esloveno Slavoj Zizek, First as tragedy, then as farce (Verso, 2009, 157 paginas), traz um conjunto de idéias que valem uma reflexão. Entre elas, a mais polêmica é a que formula a hipótese de que estaríamos assistindo à consolidação de uma nova etapa na evolução do sistema capitalista, na qual os laços entre democracia e livre mercado (mesmo sujeitos a lapsos ditatoriais) seriam definitivamente rompidos e a face autoritária do capitalismo abertamente revelada. 

De acordo com Slavoj Zizec, esse capitalismo autoritário, que encontra na China o seu maior expoente, seria herdeiro da mão de ferro de antigos governos asiáticos totalitários, fossem eles comunistas ou monárquicos, os quais, a partir da emergência dos chamados “Tigres Asiáticos” (Hong Kong, Singapura, Coréia do Sul e Taiwian), na década de 1990, se mesclaram com o modo de produção que se consagrou vitorioso no Ocidente no último século. 

A China parece ter aprendido a lição dos grandes felinos. Tomemos Singapura como exemplo e veremos que a expressão “capitalismo de valores asiáticos” foi cunhada pelo líder que praticamente reinventou aquele país, Lee Quan Yew. Antes de colocar em prática as reformas que frutificam até os dias de hoje, Deng Xiaoping elogiou o crescimento de Singapura, afirmando que esse seria um modelo para a China seguir naqueles tempos em que todos os partidos comunistas do mundo entravam em um processo de luto pela ideologia perdida com o fim da União Soviética. A partir do modelo de Singapura, a China encontrou a sua versão do capitalismo autoritário, uma que não exigia grandes mudanças políticas, com Estados altamente centralizados e ditatoriais, que controlam a liberdade de expressão e que utilizam de forma quase que sumária a pena capital.

De acordo com Slavoj Zizec, seriam ingênuos aqueles que acham que o legado da Revolução Cultural Chinesa poderia promover minimamente uma contenção dos excessos do capitalismo. A suprema ironia é que, segundo esse autor, foi justamente o Maoísmo que criou as condições para a explosão capitalista da moderna china. A revolução cultural, que objetivou o desmoronamento de tradições e introduziu o comunismo naquele país, paradoxalmente também criou as condições ideológicas para o seu atual desenvolvimento capitalista, reforçando o que Marx afirmava em relação ao colonialismo europeu, no sentido de que esse, minando as bases agrárias e tradicionais dos povos colonizados, instituiria a luta de classes e, subseqüentemente, o socialismo.

Apesar de polêmica, essa afirmação é coerente com o pensamento de Marx quando esse fez o elogio da dominação Britânica na índia, escrevendo que a Inglaterra deveria cumprir na Índia uma dupla missão: uma destrutiva, outra regeneradora, ou seja, a aniquilação da velha sociedade asiática e o estabelecimento dos fundamentos da sociedade ocidental na Ásia (The British Rule in India, 1853). Para Marx, as idílicas aldeias que existiam antes da dominação britânica eram também vítimas do despotismo oriental, ignorância e alienação religiosa e a situação colonial, por pior que fosse, ajudaria esses povos em sua evolução.

Slavoj Zizec lembra igualmente que, no 18 brumário de Luis Bonaparte (1851-52), Karl Marx cita Hegel quando este afirma que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E acrescenta a sua famosa frase: “a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Herbert Marcuse completa que a repetição de um evento como farsa pode ser ainda mais terrível do que a tragédia original. Dentro dessa lógica, não podemos entender a atual situação chinesa como uma farsa das etapas iniciais e trágicas da revolução industrial, mas sim como a instauradora de uma nova ordem que se alastra para outros países, sendo a Rússia de Putin e a Itália de Berslusconi seus exemplos mais marcantes. 

Posto isso, não é de se espantar que o país se torne um ícone tanto para os neoliberais como para alguns membros do campo das esquerdas. Em relação a esses últimos, a associação freqüente da China como uma possível alternativa ao modelo hegemônico americano supõe imaginariamente algo que definitivamente ela não é, a não ser que seja para torná-lo ainda pior. Francis Fukuyama nos fala de um suposto “consenso de Pequim”, o qual substituiria o conhecido “consenso de Washington”, lançando novas regras e diretrizes para o capitalismo global, no qual seria possível fazer negócios e ganhar dinheiro sem dar importância à democracia e aos direitos humanos (Estadão, 21 de agosto de 2008). Fukuyama não acredita que esse modelo capitalista autoritário irá substituir o modelo democrático liberal devido a sua eficiência estar restrita a uma estrutura asiática que pressupõem um conjunto de valores culturais específicos. Não obstante, Fukuyama concorda com o editor do semanário internacional Newsweek, Fareed Zakaria, quando este identifica a emergência do modelo Chinês como representativo do mundo que ele chamou de “pós-americano”.

Alguns farão a ressalva de que as democracias liberais seriam efetivamente apenas uma máscara suave que outorgaria ao cidadão uma liberdade imaginária. Slavoj Zizec não se furta a criticar de forma contundente nossas supostas “liberdades de escolha”, argumentando que essas existem apenas para legitimar aquilo que o sistema já previamente escolheu, tais como a alternativa entre a Pepsi ou a Coca Cola ou entre um candidato a presidência e outro. Entretanto, existe uma diferença marcante com relação à China: o prescindir de disfarces e o escancarar do autoritarismo como um dispositivo legal e estatal. A necessidade de reconhecer (e discutir) a magnitude de tal diferenciação reside no poder de atração ideológica (com desdobramentos políticos, econômicos e militares) que esse país possui, fruto de seu espetacular desenvolvimento econômico, o que pode representar um perigoso precedente à refração de conquistas sociais duramente conquistadas ao longo do século XX.

terça-feira, 2 de março de 2010

Livro: Virtude e Terror


Robespierre, o temível líder dos jacobinos na Revolução Francesa, proferiu discursos implacáveis, que defendem a punição dos inimigos, atacam a pena de morte, o julgamento do rei e a marginalização de atores e negros. Neste livro estão reunidos alguns de seus principais textos, que chamam atenção pela atualidade das questões abordadas. 
A série Revoluções apresenta textos clássicos escritos por personagens que estiveram no centro dos acontecimentos durante um período de insurreição, apresentados por um conhecido escritor radical contemporâneo. 
Para este livro o filósofo e sociólogo Slavoj Zizek escreveu uma apresentação surpreendente, que leva o leitor a refletir como este pensador continua a inspirar a produção de novas idéias. Zizek nasceu na capital da Eslovênia. Tornou-se internacionalmente conhecido pela radicalidade de suas análises sobre a cultura e a política no mundo contemporâneo.


Editora: Jorge Zahar 
ISBN: 9788537800744 
Ano: 2008 
Edição: 1 
Número de páginas: 236 
Acabamento: Brochura 
Formato: Médio 
Complemento da Edição: Nenhum 


Você pode procurar este livro em sebos na internet: Estante Virtual