POR LUIZ ANTÔNIO ARAUJO
Editor de Cultura
Entre todos os sistemas de pensamento que procuraram explorar os múltiplos pontos de contato entre a moderna filosofia alemã e a psicanálise, nenhum foi mais ousado do que o do francêsJacques Lacan e seus discípulos. Os fatos da vida e o percurso intelectual do analista da Rue de Lille fizeram com que seu interesse pela obra de Sigmund Freud corresse paralelamente a uma curiosidade filosófica incomum, que o levou a conviver com especialistas como Alexandre Kojève e Alexandre Koyré. Lacan intuiu que os legados de Hegel e de Freud se voltavam para questões chave do conhecimento, como os papéis do sujeito e da consciência. Nisso não fez mais do que se conduzir como um homem de seu tempo. Amigo de Lacan, o antropólogoClaude Lévi-Strauss diria em sua mais famosa entrevista que, da filosofia alemã, retivera a noção de consciência humana tendia a “mentir para si mesma”. Trata-se de uma concepção que remonta a Hegel, passa por Marx e ecoa no pensamento pós-moderno, e à qual Lacandificilmente recusaria apoio.
O século 20 preparou numerosas armadilhas para o pensamento de Hegel e seus herdeiros e tampouco foi clemente com as conclusões de Freud. É significativo que a Europa Central, campo de provas da psicanálise e de distintas correntes do marxismo - do austromarxismo a Tito -, tenha explodido no início dos anos 1990 na guerra civil iugoslava. Mas foi justamente dessa região que emergiu um pensador dedicado a revisitar o pensamento de Hegel e de Freud pelo viés lacaniano. O empreendimento de Slavoj Zizek, psicanalista formado em Paris com o genro de Lacan e professor visitante de universidades dos dois lados do Atlântico, não se volta preferencialmente para a ação política ou para a prática clínica. É na crítica cultural que Zizek se exercita com maestria, por meio de um diálogo vigoroso com a literatura, o teatro, o cinema e a comunicação de massa. Como outros intelectuais do outro lado da antiga Cortina de Ferro, ele não se furta a intervir nos grandes debates públicos, às vezes como protagonista - chegou a ser candidato à presidência da Eslovênia logo depois que o país se separou da Iugoslávia. E volta sua erudição para a análise de fenômenos tão díspares como o 11 de Setembro, os reflexos da queda do Muro de Berlim, a emergência da China como potência mundial e os reality shows da TV.
Zizek já esteve no Brasil, e entre seus livros publicados em português estão Bem-Vindo ao Deserto do Real (Boitempo, 2003), As Portas da Revolução (Boitempo, 2005) e Mao - Sobre a Prática e a Contradição (Jorge Zahar, 2008).
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