quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A crise é tanto democrática como financeira - de Slavoj Zizek


Por Slavoj Zizek

Numa das últimas entrevistas antes da queda do regime, um jornalista ocidental perguntava a Nicolae Ceausescu como justificava o facto de os cidadãos romenos não poderem viajar livremente para o estrangeiro, embora a liberdade de circulação estivesse garantida na Constituição.

A sua resposta fez jus à melhor tradição do raciocínio estalinista: é verdade, a Constituição garante a liberdade de circulação, mas também garante o direito a uma vida segura e próspera. Portanto, temos aqui um potencial conflito de direitos: se os cidadãos romenos fossem autorizados a deixar o país, a prosperidade da sua terra natal ficaria ameaçada. Neste conflito, há que fazer escolhas, e o direito a uma pátria próspera e segura goza de clara prioridade...

Parece que o mesmo espírito está bem vivo na Eslovénia de hoje. No mês passado, o Tribunal Constitucional considerou que fazer um referendo sobre legislação de criação de um “mau banco” e uma holding soberana seria inconstitucional, o que equivale a proibir uma votação popular sobre o assunto. O referendo foi proposto pelos sindicatos, num desafio à política económica neoliberal do Governo, e a proposta recolheu assinaturas suficientes para torná-lo obrigatório.

Bruxelas entrou em pânico

A ideia de “mau banco” consiste num lugar para transferir todo o crédito tóxico dos principais bancos, a ser recuperado com dinheiro do Estado (ou seja, à custa dos contribuintes), evitando assim qualquer investigação séria sobre quem foi responsável por esse mau crédito. Esta medida, debatida durante meses, está longe de ser consensual, mesmo para especialistas financeiros. Então, porquê proibir o referendo?

Em 2011, quando o Governo de George Papandreou, na Grécia, propôs um referendo sobre as medidas de austeridade, Bruxelas entrou em pânico, mas nem assim alguém se atreveu a proibi-lo diretamente.

Segundo o Tribunal Constitucional esloveno, o referendo “teria acarretado consequências inconstitucionais”. Como? O tribunal reconhece o direito constitucional do referendo, mas alega que a sua execução poria em perigo outros valores constitucionais que devem ter prioridade em tempos de crise económica: o eficiente funcionamento do aparelho de Estado, nomeadamente a criação de condições para o crescimento económico; e o exercício dos direitos humanos, especialmente os direitos à segurança social e à livre iniciativa económica.

Em suma, para avaliar as consequências do referendo, o tribunal aceita simplesmente como um facto que não obedecer aos ditames das instituições financeiras internacionais (ou não satisfazer as suas expectativas) pode levar a uma crise política e económica, e é, portanto, inconstitucional. Sem rodeios: como corresponder a esses ditames e expectativas é condição para manter a ordem constitucional, pelo que passam a ter prioridade sobre a Constituição (e o mesmo é dizer, a soberania do Estado).

Tendência para a limitação da democracia

A Eslovénia pode ser um país pequeno, mas esta decisão é um sintoma de uma tendência mundial para a limitação da democracia. A ideia é que, numa situação económica complexa como a de hoje, a maioria das pessoas não está qualificada para decidir – não se apercebem das consequências catastróficas que decorreriam se as suas exigências fossem atendidas.

Este tipo de argumentação não é novo. Numa entrevista na televisão há um par de anos, o sociólogo Ralf Dahrendorf associava a crescente desconfiança na democracia com o facto de, após cada mudança revolucionária, o caminho para a nova prosperidade atravessar um “vale de lágrimas”. Após o colapso do socialismo [regimes com ênfase no Estado social], não é possível passar diretamente para a abundância de uma economia de mercado livre bem-sucedida: há que desmantelar o limitado, mas real, apoio e segurança social socialistas, e esses primeiros passos são necessariamente dolorosos.

O mesmo se aplica à Europa Ocidental, onde a passagem do Estado social do pós-guerra para a nova economia global envolve renúncias dolorosas – menos segurança, menos garantias de assistência social. Para Dahrendorf, o problema restringe-se ao simples facto de esta travessia dolorosa do “vale de lágrimas” durar mais tempo do que o período médio entre eleições, pelo que há uma grande tentação em adiar as mudanças difíceis em nome de ganhos eleitorais de curto prazo.

Populismo que termina em catástrofe

Para ele, o paradigma é a deceção de amplos estratos de nações pós-comunistas em relação aos resultados económicos da nova ordem democrática: nos dias gloriosos de 1989, equiparava-se democracia com a abundância das sociedades consumistas ocidentais; 20 anos depois, a abundância continua a não chegar, e culpa-se a própria democracia.

Infelizmente, Dahrendorf concentra-se muito pouco na tentação oposta: se a maioria resiste às mudanças estruturais necessárias à economia, não seria uma conclusão lógica pensar que, durante uma década ou mais, uma elite esclarecida devia tomar o poder, até por meios não democráticos, para obrigar à aplicação das medidas necessárias e, assim, lançar as bases de uma democracia verdadeiramente estável?

Na mesma linha de pensamento, o jornalista Fareed Zakaria apontava há dias que a democracia só pode “pegar” em países economicamente desenvolvidos. Se os países em desenvolvimento forem “prematuramente democratizados”, o resultado é um populismo que termina em catástrofe económica e despotismo político – não admira que os países do Terceiro Mundo (Formosa, Coreia do Sul, Chile) hoje economicamente mais bem-sucedidos só tenham abraçado a plena democracia após um período de governo autoritário. Já agora, esta linha de pensamento não fornece o melhor argumento ao regime autoritário da China?

O que é novo hoje é que, com a crise financeira que começou em 2008, está a ganhar terreno, também no próprio Ocidente, este tipo de desconfiança na democracia – em tempos limitado ao Terceiro Mundo e aos países pós-comunistas em desenvolvimento. O que, há uma ou duas décadas, eram conselhos paternalistas para os outros, agora diz-nos respeito também a nós.

Reduzir défices rapidamente é contraproducente

O mínimo que se pode dizer é que esta crise vem provar que não é o povo, mas os especialistas que não sabem o que andam a fazer. Na Europa Ocidental, estamos efetivamente a testemunhar uma crescente incapacidade da elite dominante – sabem cada vez menos como governar. Veja-se como a Europa está a lidar com a crise grega: exercendo pressão sobre a Grécia para pagar dívidas, mas, ao mesmo tempo, arruinando-lhe a economia com imposição de medidas de austeridade, garantindo assim que a dívida grega nunca será reembolsada.

No final de outubro do ano passado, o próprio FMI publicou um relatório mostrando que os danos económicos de medidas de austeridade agressivas podem ser três vezes maiores do que inicialmente se supunha, anulando assim o seu próprio conselho sobre austeridade na crise da zona euro. Agora, o FMI admite que forçar a Grécia e outros países sobrecarregados de dívidas a reduzir os seus défices muito rapidamente é contraproducente, mas só depois de centenas de milhares de postos de trabalho terem sido perdidos devido a tais “erros de cálculo”.

E é essa a verdadeira mensagem dos protestos populares “irracionais” por toda a Europa: os manifestantes sabem muito bem o que desconhecem; não têm a pretensão de ter respostas rápidas e fáceis para dar. Mas o que o seu instinto lhes diz não deixa de ser verdade: que quem está no poder também não sabe o que anda a fazer. Na Europa de hoje, são cegos a guiar outros cegos.

Tradução: Ana Cardoso Pires

Fonte: Presseurop
Link: http://www.presseurop.eu/pt/content/article/3319411-crise-e-tanto-democratica-como-financeira
Origem: The Guardian
Link na origem: http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2013/jan/16/west-crisis-democracy-finance-spirit-dictators?INTCMP=SRCH

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

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A esquerda derrotada


Em recente jantar na Califórnia, o filósofo esloveno Slavoj Zizek levou um acompanhante, um compatriota fumante. O amigo quis fumar um cigarro na varanda. Diante da resposta negativa do anfitrião, o cidadão esloveno ofereceu a opção de fumar na rua, mas o ilustre anfitrião disse que isso “pegaria mal” para sua reputação nas redondezas. Em seguida, o anfitrião ofereceu uma rodada de drogas consideradas “não tão leves” para os convivas, escreve Zizek em seu novo livro, O Ano em Que Sonhamos Perigosamente (Boitempo, 144 págs., R$ 23). Drogas são mais perigosas do que fumar, o que está acontecendo neste mundo do politicamente correto?, pergunta Zizek. Ele mesmo responde: “Trata-se de um fenômeno lançado pelo mundo anglo-saxônico e isso tem uma dimensão de classe”. Em miúdos, os mais favorecidos doutrinam. Ao mesmo tempo, delineiam as diferenças entre o exagero de fumar um cigarro, um excesso, não um prazer, e o prazer de tomar uma droga, com moderação, é claro, que supostamente não provoca graves consequências.
O Ano em Que Sonhamos Perigosamente, em fase de lançamento no Brasil, é uma análise dos protestos que reverberaram de Túnis a Atenas em 2011. Para o autor, “embora os protestos sejam positivos, falta um programa”. Alma livre e espontânea, Zizek não prevê o futuro. Mas não deixa de ser iluminado. “Você pode”, diz Zizek, “canibalizar minhas respostas. Qualquer jornalista pode reproduzir o oposto do que eu lhe disse”. Não é o caso a seguir.
CartaCapital: Há diferentes circunstâncias nos protestos de 2011. Mas quais as semelhanças?
Slavoj Zizek: Não vejo semelhanças na patética maneira de ver as coisas da esquerda. Eles dizem que há um desejo de liberdade. A meu ver, todos esses movimentos reagem a diferentes aspectos do capitalismo global. E é por isso que esses movimentos são interessantes. Como sabemos, os liberais ocidentais dizem que os manifestantes mundo afora buscam uma democracia ocidental. Mas eu não acho que esse seja o caso. No Cairo, por exemplo, o objetivo era lutar contra as forças autoritárias. Além disso, não creio que o capitalismo gere uma demanda por uma democracia. Há diferentes tipos de democracias.
CC: Um exemplo seria a China?
SZ: A China é um sistema expansionista e dinâmico como países capitalistas do Ocidente. O sistema chinês é, no entanto, autoritário. O triste recado chinês é o seguinte: o capitalismo global será cada vez menos democrático. Imigrantes, que não estão integrados nas sociedades para as quais migram, são a prova. Em suma, mais capitalismo não resolverá esse problema. O problema é que os protestos de 2011 não oferecem uma resposta. Viajei mundo afora e me perguntei: “O que eles querem?” Não esperava um programa detalhado. Mas tudo o que você escuta dos manifestantes é uma crítica moralista: eles lutam contra a exploração e a corrupção. Querem uma volta de John Maynard Keynes, uma volta do Estado do Bem-Estar Social, controle de bancos, mais dinheiro para a saúde, a segurança e a educação. Ou seja, não há uma alternativa.
Lançamento. Em seu novo livro, editado no Brasil pela Boitempo, Zizek discute o politicamente correto, entre outros temas. Foto: Griszka Niewiadomski
CC: Mas há diferenças nas demandas dessas distintas revoluções. No seu livro­, o senhor argumenta que no Egito houve sólidas demandas seculares, e, ao mesmo tempo, em Wall Street não houve programa.
SZ: Sim, claro, há diferenças. Mas há semelhanças nessa emergente nação global. Mas, como em Wall Street, as coisas voltam ao normal no Cairo. Mesmo com 1 milhão de egípcios a manifestar na Praça Tahrir, é uma minoria. A maioria das revoluções foram assim. A revolução de outubro de 1917 é um exemplo. Lenin conseguiu o apoio de camponeses insatisfeitos com a Primeira Guerra Mundial, mas não da maioria da população russa. Portanto, não creio que a situação esteja pior atualmente. O problema é que não vejo como transformar os descontentamentos em organizações positivas. Estive na Grécia. Falei com muita gente, e me disseram que querem um capitalismo mais eficiente. Retruquei ser um objetivo difícil. A Grécia não tem uma estrutura para o tipo de capitalismo atual. No Brasil, em contrapartida, houve o Bolsa Família, que deu certo.
CC: O que o senhor acha do Bolsa Família?
SZ: O Bolsa Família foi um plano para redistribuir renda no País. Em miúdos, foi um plano para ajudar as pessoas com receitas inferiores.
CC: Quais as suas expectativas, e eis uma pergunta no mínimo difícil, para o mundo?
SZ: Não gosto da maneira como as coisas estão se desenvolvendo. O povo quer mudanças, mas a esquerda não tem opções para ele. O problema é que hoje agremiações de esquerda podem, ao contrário dos velhos tempos, chegar ao poder. Mas a esquerda está confusa.
CC: O senhor diz que essa esquerda tem um problema: ela moraliza.
SZ: Moralizar é sempre um sinal de derrota. Quando você precisa moralizar é porque você tem um problema real. Sempre desconfio de políticos que desconfiam de exploração financeira, especulação e banqueiros não honestos. Mas talvez devamos ser otimistas. A revolução no Egito não poderia ser o começo de algo novo?
CC: No seu livro, o senhor mencionou o discurso, no Cairo em 2009, de Barack Obama. Ele propôs uma solução de dois Estados, Palestina e Israel. Mas o senhor não opina a respeito.
SZ: Obama não é uma pessoa ruim. Esses esquerdistas como o ativista Tariq Ali estão errados sobre Obama. Tudo bem, Obama poderia ter feito mais em um senso radical, mas não pôde. Seu espaço sempre foi limitado. Obama é um político com boas intenções.
CC: Como reage quando críticos dizem que é um esquerdista populista?
SZ: A resposta está no livro Welcome To The Desert, pubicado no Brasil. Em Israel, fui considerado antissemita. E no Cairo me chamaram de propagandista. Fiquei contente. Quando os dois lados atacam é sinal de que você está no caminho certo. Sabe, quando eu era jovem, sonhávamos com um socialismo com rosto humano. Veja, o socialismo não funciona. E nem, acredito, na social-democracia. Portanto, a crise ­econômica de 2008 é uma grande ­derrota da ­esquerda. O motivo? A esquerda não tem opções para a crise.

Fonte: Carta Capital
Link: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-esquerda-derrotada/

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Veja mais sobre o livro aqui no site

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

[Video] Slavoj Zizek: A new kind of communism


ArtFliporto traz Slavoj Žižek ao Recife


A revista quadrimestral de cultura e ensaios ArtFliporto, da Editora Carpe Diem, lança, em março, o projeto ArtFliporto Apresenta, que irá trazer para o público discussões sobre temas contemporâneos relevantes. Na primeira edição, contaremos com um nome chave do pensamento atual, o filósofo esloveno Slavoj Žižek, um dos 100 maiores pensadores do mundo e já chamado de “o Elvis Presley da Teoria Cultural”.

“Ter Slavoj Žižek neste momento em que as redes sociais estão nos ajudando a pensar as formas de uso dos espaços públicos é fundamental. Slavoj Žižek é um provocador e com certeza o público recifense, que adora uma provocação, vai gostar da sua presença”, afirmou o jornalista e crítico literário Schneider Carpeggiani, editor da ArtFliporto. “O Projeto ArtFliporto Apresenta é mais uma forma da Fliporto se consolidar como um evento constante durante todo o ano. E não poderia haver nome melhor para darmos início ao projeto”, pontuou o escritor Antônio Campos, curador da Festa Literária Internacional de Pernambuco.

Slavoj Žižek fará uma palestra no Recife e uma sessão de autógrafos no dia 15 de março. O local do evento ainda não foi escolhido. O evento é uma parceria da Carpe Diem e da Boitempo Editorial.

Fonte: Fliporto
Origem: http://www.fliporto.net/fliporto2012/blog/artfliporto-traz-slavoj-zizek-ao-recife/

O ano em que sonhamos perigosamente: o novo livro de Zizek


Novo livro do filósofo esloveno faz uma análise crítica de 2011, ano no qual emergiu uma série de mobilizações globais de caráter contestatório. Sua análise esquadrinha tanto o que chama de “sonhos emancipatórios” (Primavera Árabe, Occupy Wall Street, levantes em Londres e Atenas) como os “sonhos destrutivos” que motivaram, por exemplo, a chacina de Anders Breivik, na Noruega, e outros movimentos racistas e ufanistas que eclodiram por toda a Europa. O desafio está em situar a multiplicidade dos acontecimentos no interior do campo de forças produzido pelo capitalismo.


Este novo livro do filósofo esloveno Slavoj Žižek, lançado no Brasil pela Boitempo Editorial, oferece uma análise crítica de 2011, “o ano em que sonhamos perigosamente”, como já aponta o título, e no qual emergiu uma série de mobilizações globais de caráter contestatório. A obra dá continuidade ao trabalho de reelaboração teórica já anunciado nos livros "Em defesa das causas perdidas" e "Vivendo no fim dos tempos". Invocando a expressão persa war nam nihadan – “matar uma pessoa, enterrar o corpo e plantar flores sobre a cova para escondê-la” – a fim de descrever o atual processo de neutralização desses acontecimentos e seus significados, Žižek coloca-se diante da difícil tarefa de pensar a conjuntura global sob uma perspectiva renovadora. Por isso, tem sido considerado um dos mais originais e provocativos teóricos da contemporaneidade.

A forma aberta e o estilo ensaístico despojado desta coletânea de oito ensaios sustentam o obtuso equilíbrio entre uma articulação interdisciplinar e o que o jornalista Ivan Marsiglia, que assina a orelha do livro, descreve como a “ousadia de uma abordagem totalizante da realidade social, em tempos de saberes hiperespecializados”. Não é à toa que o livro remete também ao complexo conceito de “mapeamento cognitivo” desenvolvido por Fredric Jameson, um dos expoentes atuais desta tradição teórica.

Os dois ensaios iniciais, “Da dominação à exploração e à revolta” e “O ’trabalho de sonho’ da representação política”, tecem justamente considerações sobre o capitalismo atual e apresentam o desenvolvimento de uma teoria global dos impasses da representação ideológico-politica. Já os quatro ensaios centrais “O retorno da má coisa étnica”; “Bem-vindo ao deserto da pós-ideologia”; “Inverno, primavera, verão e outono árabes”; e “Occupy Wall Street, ou o silêncio violento de um novo começo” concentram-se na análise detida dos diversos movimentos que marcaram 2011.

Sua análise esquadrinha tanto o que chama de “sonhos emancipatórios” (Primavera Árabe, Occupy Wall Street, levantes em Londres e Atenas) como os “sonhos destrutivos” que motivaram, por exemplo, a chacina de Anders Breivik, na Noruega, e outros movimentos racistas e ufanistas que eclodiram por toda a Europa. O desafio está em situar a multiplicidade dos acontecimentos no interior do campo de forças produzido pelo capitalismo. “Para decifrar a ‘circulação autopropulsora do capital’, que hoje prescinde até da burguesia e dos trabalhadores, Žižek reafirma, em termos freudianos, a ideia de luta de classes: assim como diz Freud a respeito da sexualidade, não é que tudo se resuma à luta de classes, mas a luta de classes se faz presente em tudo”, interpreta Marsiglia.

Os ensaios “The Wire, ou O que fazer em épocas não eventivas” e “Para além da inveja e do ressentimento” refletem, a partir da cultuada série americana The Wire e de uma análise mais detida do pensamento do filósofo Peter Sloterdijk, sobre o desafio de combater o sistema sem contribuir para aprimorar seu funcionamento. Por fim, em “Sinais do futuro” Žižek anuncia um descontentamento subterrâneo em marcha e, prevendo uma nova onda de revoltas, situa o ano de 2012 em um presente que guarda o potencial oculto de um futuro utópico, manifesto em fragmentos limitados, distorcidos e até pervertidos.

Trecho do livro
“Marx descreveu a má circulação do capital, que se aperfeiçoa e cujo caminho solipsista da autofecundação chega ao apogeu nas especulações metarreflexivas da atualidade sobre os futuros. É simplista demais afirmar que o espectro desse monstro que se aperfeiçoa e segue seu caminho negligenciando qualquer preocupação humana ou ambiental seja uma abstração ideológica, e que por trás dessa abstração haja pessoas reais e objetos naturais em cujos recursos e capacidades produtivas se baseia a circulação do capital e dos quais o capital se alimenta como um parasita gigante. 

O problema é que, além de estar em nossa má percepção da realidade social da especulação financeira, essa abstração é real no sentido preciso de determinar a estrutura dos processos sociais materiais: o destino de todas as camadas da população, e por vezes de países inteiros, pode ser decidido pela dança especulativa solipsista do capital, que persegue seu objetivo de lucratividade com uma indiferença abençoada em relação ao modo como seu movimento afetará a realidade social.”

Sobre o autor
Slavoj Žižek nasceu em 1949 na cidade de Liubliana, Eslovênia. É filósofo, psicanalista e um dos principais teóricos contemporâneos. Transita por diversas áreas do conhecimento e, sob influência principalmente de Karl Marx e Jacques Lacan, efetua uma inovadora crítica cultural e política da pós-modernidade. Professor da European Graduate School e do Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana, Žižek preside a Society for Theoretical Psychoanalysis, de Liubliana, e é diretor internacional do Instituto de Humanidades da Universidade Birkbeck de Londres. O ano em que sonhamos perigosamente é o seu oitavo livro traduzido pela Boitempo. Dele, a editora também publicou Bem vindo ao deserto do Real!, em 2003, Às portas da revolução: escritos de Lenin de 1917, em 2005, A visão em paralaxe, em 2008, Lacrimae Rerum, em 2009, Em defesa das causas perdidas e Primeiro como tragédia, depois como farsa, em 2011 e Vivendo no fim dos tempos, em 2012.

Origem: Carta Maior
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21203


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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Lançamento: “O ano em que sonhamos perigosamente”, de Slavoj Žižek


A Boitempo acaba de lançar O ano em que sonhamos perigosamente, a ousada análise crítica de Slavoj Žižek sobre o ano de 2011. O livro, traduzido por Rogério Bettoni, já está disponível em versão eletrônica (ebook).


Leia a orelha, assinada por Ivan Marsiglia

O esloveno Slavoj Žižek é um intelectual que pensa perigosamente. À ousadia de uma abordagem totalizante da realidade social, em tempos de saberes hiperespecializados, soma-se a audácia de refletir sobre o tempo presente, sem o telescópio seguro do distanciamento.
É numa espécie de vertigem interpretativa que ele se permite analisar, no instante abrasador dos acontecimentos, fatos que marcaram as primeiras décadas do século XXI: o crash financeiro de 2008 nos Estados Unidos, seu repique na crise europeia de 2010 e a eclosão, em 2011, de movimentos como a Primavera Árabe e o Occupy Wall Street.
Esta engajada coletânea de ensaios se propõe a servir de manual para a mobilização emancipatória que, acredita Žižek, coloca-se pela primeira vez em nível planetário. E não será o Trotski da “revolução permanente”, mas o velho Lenin da pergunta “que fazer?”, o evocado pelo filósofo – que combina marxismo e psicanálise, na trilha de Herbert Marcuse e Erich Fromm.
Para decifrar a “circulação autopropulsora do capital”, que hoje prescinde até da burguesia e dos trabalhadores, Žižek reafirma, em termos freudianos, a ideia de luta de classes: assim como diz Freud a respeito da sexualidade, não é que tudo se resuma à luta de classes, mas a luta de classes se faz presente em tudo.
Assim, o autor vai dizer que a primavera revolucionária se deu no Egito e na Tunísia, mas não na Líbia e na Síria; que a direita americana apoia o Estado sionista de Israel chocando debaixo de suas asas o ovo do antissemitismo; que o sucesso do capitalismo chinês administrado por comunistas é sinal de que o casamento entre capitalismo e democracia está perto do divórcio; que os dispositivos eletrônicos da Apple, vitais para a mobilização no mundo árabe e em Nova York, são produzidos em Taiwan pela Foxconn, por trabalhadores tratados literalmente como “animais”, cujo desespero se expressa numa onda incontrolável de suicídios.
Se este livro não resolve o dilema leninista, oferece um arsenal crítico aos que querem a mudança do mundo, que jogaria a derradeira pá de cal na teoria do “fim da história” de Francis Fukuyama. Para Žižek, a hora é de esperar: “Os protestos criaram um vazio no campo da ideologia hegemônica, e é preciso tempo para preencher esse vazio porque ele é fecundo, é uma abertura para o verdadeiramente novo”.

Sumário do livro
Introdução: War nam nihadan
1. Da dominação à exploração e à revolta
2. O “trabalho de sonho” da representação política
3. O retorno da má coisa étnica
4. Bem vindo ao deserto da pós ideologia
5. Inverno, primavera, verão e outono árabes
6. Occupy Wall Street, ou o silêncio violento de um novo começo
7. The Wire ou o que fazer em épocas não eventivas
8. Para além da inveja e do ressentimento
Conclusão: sinais do futuro

“Este livro tenta contribuir para o “mapeamento cognitivo” (Jameson) de nossa constelação. Primeiro, ele descreve brevemente as principais características do capitalismo atual; em seguida, esboça os contornos de sua ideologia hegemônica, concentrando-se nos fenômenos reacionários (revoltas populistas) que surgem como reação aos antagonismos sociais. Os próximos dois capítulos tratam de dois grandes movimentos emancipatórios de 2011: a Primavera Árabe e o Occupy Wall Street. Tomando como ponto de partida a série de TV The Wire, os últimos capítulos examinam a difícil questão de como combater o sistema sem contribuir para aprimorar de seu funcionamento.” - Slavoj Žižek

Fonte: http://boitempoeditorial.wordpress.com/2012/11/01/lancamento-o-ano-em-que-sonhamos-perigosamente-de-slavoj-zizek/

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Veja mais sobre o livro aqui no site

[LIVRO] Bem-vindo ao deserto do Real!


Título: Bem-vindo ao deserto do Real!
Título Original: Welcome to the desert of the real!: five essays on September 11 and related dates
Subtítulo: cinco ensaios sobre o 11 de Setembro e datas relacionadas
Autor(a): Slavoj Zizek
Posfácio: Vladimir Safatle
Tradutor(a): Paulo Cezar Castanheira
Páginas: 192
Ano de publicação: 2003
ISBN: 85-7559-035-9


Bem-vindo ao deserto do real! é uma coletânea de cinco ensaios de Slavoj Žižek, onde o autor aborda os acontecimentos de 11 de Setembro e suas conseqüências.

O filósofo esloveno firmou-se como um importante interlocutor nos debates sobre o destino do pensamento político de esquerda, ao mesmo tempo em que se transformou em figura de destaque dos cultural studies norte-americanos, ao fornecer uma outra via de abordagem da cultura contemporânea.

Em Bem- vindo ao deserto do real!, Slavoj Žižek usa a provocativa frase "Com essa esquerda, quem precisa de direita?" para comentar a atuação da esquerda no período posterior aos atentados de 2001. Atuação essa que permitiu que a ideologia hegemônica se apropriasse da tragédia e impusesse sua mensagem de que é preciso escolher um lado na "guerra contra o terrorismo".

Para o autor, a tentação de escolher um dos lados deve ser evitada. Segundo Žižek, quando as escolhas parecem muito claras, a ideologia se encontra em seu estado mais puro, obscurecendo as verdadeiras opções. A "democracia liberal" não é a alternativa ao "fundamentalismo" muçulmano, coloca.

Publicado pela Boitempo dentro da coleção Estado de Sítio, Bem-vindo ao deserto do Real! não é apenas mais um livro sobre os desafios políticos impostos pelo 11 de Setembro. Movendo-se no interior de um terreno para onde convergem a crítica da cultura, a psicanálise, a teoria social, a análise cinematográfica e a política, Žižek sabe diagnosticar os sintomas da sociabilidade contemporânea e desvendar articulações onde menos se espera.

Suas conclusões ultrapassam a análise circunstancial de um fato e levam o leitor ao cerne dos impasses do nosso tempo. Um tempo em que a busca pela realidade objetiva que há por trás das aparências é falsa, funcionando como "o estratagema definitivo para evitar o confronto com o Real".

Sobre o autor
Slavoj Žižek é filósofo esloveno, professor e pesquisador do Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana. É autor de vários livros, entre os quais se destacam O mais sublime dos histéricos, Eles não sabem o que fazem, Um mapa da ideologia (org.), Everything you Always Wanted to Know about Lacan (but Were Afraid to Ask Hitchcock), The Plague of Fantasies e Revolution at the Gates, uma seleção de textos de Lênin com apresentação e posfácio de Žižek que ganhou uma edição em português pela Boitempo, com o título Às portas da revolução.

Sobre a Coleção Estado de Sítio
Coordenação de Paulo Arantes
Sob a inspiração de Walter Benjamin - "A tradição dos oprimidos nos ensina que o `estado de exceção` em que vivemos é na verdade a regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa verdade" -, a coleção trata de temas centrais do nosso tempo: crescente autoritarismo do Estado, terrorismo, fundamentalismo e império, relações da televisão e do cinema com o poder e a guerra e conflitos globais.

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Christian Dunker sobre Slavoj Zizek e Alain Badiou


A verdadeira blasfêmia no caso Pussy Riot ~ Slavoj Žižek


Agosto 22, 2012 em Mundo


O que é uma modesta provocação obscena das Pussy Riot numa igreja, comparada com a acusação contra elas, esta gigantesca e obscena provocação do aparelho de Estado que escarnece de qualquer noção de lei e ordem decentes?


[Slavoj Žižek, publicado em Dangerous Minds. Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net]

Para já, o resultado das medidas opressivas é que Pussy Riot se tornou um nome familiar literalmente em todo o mundo.

As Pussy Riot são acusadas de blasfêmia e de ódio à religião? A resposta é fácil: a verdadeira blasfêmia é a própria acusação do Estado, formulando como crime ou ódio religioso algo que foi claramente um ato político de protesto contra a claque governante. Recordem a velha ironia de Brecht na Ópera dos Três Vinténs: “O que é roubar um banco, comparado com fundar um banco?” Em 2008, Wall Street deu-nos a nova versão: o que é roubar um par de milhares de dólares, pelos quais se vai parar à cadeia, comparado com a especulação financeira que priva dezenas de milhares de pessoas das suas casas e poupanças, e é recompensada pela ajuda do Estado de grandeza sublime? Agora, temos outra versão, vinda do poder do Estado da Rússia: o que é uma modesta provocação obscena das Pussy Riot numa igreja, comparada com a acusação contra as Pussy Riot, esta gigantesca e obscena provocação do aparelho de Estado que escarnece de qualquer noção de lei e ordem decentes?

Será que o ato das Pussy Riot foi cínico? Há dois tipos de cinismo: o cinismo amargo dos oprimidos que desmascara a hipocrisia dos que estão no poder, e o cinismo dos próprios opressores que violam abertamente os seus próprios proclamados princípios. O cinismo das Pussy Riot é do primeiro tipo, enquanto o cinismo dos que estão no poder – porque não chamar a sua brutalidade autoritária de Prick Riot – é do muito mais nefasto segundo tipo.

Em 1905, Leon Trotsky caracterizou a Rússia czarista como “uma perversa combinação do látego asiático com a bolsa de valores europeia.” Será que esta designação não se aplica mais e mais também à Rússia de hoje? Não anuncia a subida da nova fase do capitalismo, capitalismo com valores asiáticos (que, evidentemente, nada tem a ver com a Ásia e tudo a ver com as tendências antidemocráticas no capitalismo global de hoje). Se entendemos cinismo como o pragmatismo rude do poder que se ri secretamente dos seus próprios princípios, então as Pussy Riot são o anti-cinismo incorporado. A sua mensagem é: as ideias contam. São artistas conceituais no nobre sentido da palavra: artistas que dão corpo a uma Ideia. Foi por isso que usaram balaclavas: máscaras de desindividualização, de anonimidade libertadora. A mensagem das suas balaclavas é que não interessa qual delas foi presa – elas não são indivíduos, são uma Ideia. E é por isso que são tamanha ameaça: é fácil prender indivíduos, mas tentem prender uma Ideia!

O pânico dos que estão no poder – exibido pela sua reação ridiculamente brutal e excessiva – é assim plenamente justificado. Quanto mais brutalmente atuam, mais importante se tornará o símbolo das Pussy Riot. Para já, o resultado das medidas opressivas é que Pussy Riot se tornou um nome familiar literalmente em todo o mundo.

É um dever sagrado de todos nós evitar que as corajosas Pussy Riot não paguem na carne o preço de se terem tornado um símbolo global.

Fonte: http://www.teleios.com.br/2012/a-verdadeira-blasfemia-no-caso-pussy-riot/

sábado, 26 de janeiro de 2013

Lançamento: "O ano em que sonhamos perigosamente" - Slavoj Zizek


Sinopse de O ano em que sonhamos perigosamente

Este novo livro do instigante filósofo esloveno Slavoj Žižek recupera os principais eventos de 2011 e analisa tanto os sonhos emancipatórios (Primavera Árabe, Occupy Wall Street, levantes em Londres e Atenas) como aqueles destrutivos que motivaram a chacina de Anders Breivik na Noruega e outros movimentos racistas que eclodiram por toda a Europa. A questão que o livro coloca é: essas explosões têm a mesma raiz? Invocando a expressão persa war nam nihadan – “matar uma pessoa, enterrar o corpo e plantar flores sobre a cova para escondê-la”– a fim de descrever o processo de neutralização crítica em marcha próprio da ideologia hegemônica, o esforço crítico de Žižek consiste em situar esses eventos no interior do capitalismo global. Para tanto, ele articula uma contribuição fundamental ao complexo conceito de mapeamento cognitivo, desenvolvido por Fredric Jameson, sem abrir mão de anedotas e análises da cultura pop.


Título: O ano em que sonhamos perigosamente
Título Original: The year of dreaming dangerously
Autor(a): Slavoj Žižek
Tradutor(a): Rogério Bettoni
Páginas: 144
Ano de publicação: 2012
ISBN: 978-85-7559-290-8
Preço: R$ 32,00 (BOITEMPO)



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"O ano em que sonhamos perigosamente" - Slavoj Zizek (2012)
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Identidades Vazias - Slavoj Zizek

Eleger a internet como exemplo democrático é esconder diferenças sociais, institucionais e psicológicas entre as vidas “real” e “virtual”

Na edição de 25 de dezembro da revista “Time”, o prêmio tradicional de “Pessoa do Ano” não foi concedido a Mahmoud Ahmadinejad [presidente do Irã], Kim Jong-Il [ditador norte-coreano], Hugo Chávez [presidente venezuelano] ou qualquer outro membro da gangue dos usuais suspeitos, mas a “você”: a todos e a cada um de nós… usuários e criadores de conteúdo na web. A capa mostra um teclado branco com um espelho para uma tela de computador onde cada um de nós, leitores, pode ver seu reflexo. Para justificar a escolha, os editores mencionaram a transição das instituições para os indivíduos, que estão ressurgindo como cidadãos da nova democracia digital.

Há coisas que os olhos não conseguem ver, nessa escolha, e em um sentido mais amplo do que o comum nessa expressão. Se algum dia já houve uma escolha ideológica, esse é um caso que merece perfeitamente a classificação: a mensagem -uma nova democracia cibernética na qual milhões podem se comunicar e organizar diretamente, contornando o controle estatal centralizado- encobre uma série de brechas e tensões perturbadoras.

A primeira e mais evidente das ironias é que cada pessoa que olhe a capa da “Time” não verá as demais pessoas com quem supostamente se relaciona diretamente, e sim um reflexo de sua própria imagem. Não admira que Leibniz [1646-1716] seja uma das referências filosóficas preferenciais dos teóricos do ciberespaço: afinal, a imersão das pessoas no ciberespaço não se enquadra perfeitamente à nossa redução a uma mônada leibniziana que, embora “sem janelas” capazes de se abrir diretamente para as realidades externas, espelha em si mesma todo o universo?

Será que o típico internauta atual, sentado sozinho diante da tela de seu computador, não representa mais e mais uma mônada sem janelas diretas para a realidade, envolvido apenas com simulacros virtuais, e no entanto mais e mais imerso na rede mundial, e se comunicando de maneira sincrônica com todo o planeta?

Uma das mais recentes modas entre os radicais do sexo são as maratonas de masturbação, eventos coletivos nos quais centenas de homens e mulheres se autopropiciam satisfação sexual para fins de caridade. A masturbação cria uma coletividade a partir de indivíduos dispostos a compartilhar uns com os outros… o quê?

O solipsismo de uma diversão estúpida. Seria possível propor que as maratonas de masturbação são a forma de sexualidade que se enquadra de maneira mais perfeita às coordenadas do ciberespaço.
Mas isso é apenas uma parte da história. O que se torna preciso acrescentar é que o “você” que se reconhece enquanto imagem em uma tela padece de uma profunda divisão: eu jamais me limito a ser a persona que assumo na máquina. Primeiro, existe o (bastante evidente) excesso do eu como pessoa corpórea “real” além da persona virtual.

Ética virtual

Os marxistas e outros pensadores de inclinações críticas gostam de apontar para o fato de que a igualdade do ciberespaço é enganosa -ela ignora todas as complexas disposições materiais (meu patrimônio, minha posição social, meu poder ou falta dele etc.). A inércia da vida real desaparece magicamente na navegação pelo ciberespaço, desprovida de fricção. No mercado atual, encontramos toda uma série de produtos privados de suas propriedades malignas: café sem cafeína, creme sem gordura, cerveja sem álcool… ciberespaço. A realidade virtual simplesmente generaliza esse procedimento: cria uma realidade privada de substância. Da mesma maneira que o café descafeinado tem cheiro e gosto semelhantes aos do café sem ser café, minha persona na rede, o “você” que vejo lá, é sempre um “eu” descafeinado. Por outro lado, existe também o excesso oposto, e muito mais perturbador: o excedente de minha persona virtual com relação ao meu “eu” real. Nossa identidade social, a pessoa que presumimos ser em nosso intercurso social, já é uma máscara, já envolve a repressão de nossos impulsos inadmissíveis, e é precisamente nessas condições de “só uma brincadeira”, quando as regras que regulam os intercâmbios de nossas vidas reais estão temporariamente suspensas, que podemos nos permitir a exibição dessas atitudes reprimidas.

Basta lembrar do mitológico sujeito tímido e impotente que, participando de um jogo virtual interativo, adota a identidade de um assassino sádico e sedutor irresistível. Seria simples demais afirmar que essa identidade é apenas um suplemento imaginário, uma fuga temporária de sua impotência na vida real. Na verdade, o que importa é que, porque ele sabe que o jogo virtual é “apenas um jogo”, ele se sente capaz de exibir “seu eu real”, fazer coisas que nunca fez em interações reais -sob a capa de uma ficção, a verdade sobre ele se articula.

O fato mesmo de que eu perceba minha auto-imagem virtual como simples brincadeira me permite, assim, suspender os obstáculos que usualmente impedem que eu realize meu “lado escuro” na vida real -meu “id eletrônico” ganha asas, dessa forma. E o mesmo se aplica aos meus parceiros na comunicação via ciberespaço. Não há como ter certeza de quem sejam, de que sejam “realmente” como se descrevem, ou de saber se existe uma pessoa “real” por trás da persona on-line. A persona on-line é uma máscara para uma multiplicidade de pessoas? A pessoa “real” com quem converso possui e manipula mais personas no computador, ou estou simplesmente me relacionando com uma entidade digitalizada que não representa pessoa “real” alguma?

Existência sublimada

Para resumir, “interface” quer dizer exatamente que minha relação com o outro nunca acontece face a face, que sempre há a mediação de uma maquinaria digital interposta cuja estrutura é labiríntica: eu “navego”, eu me perco sem muito rumo nesse espaço infinito onde mensagens circulam livremente sem destino fixo, enquanto seu Todo -esse imenso circuito de murmúrios- continua para sempre além do escopo de minha compreensão. O obverso da democracia direta do ciberespaço é essa caótica e impenetrável magnitude de mensagens e seus circuitos, que nem mesmo o maior esforço de minha imaginação é capaz de compreender -o filósofo Immanuel Kant [1724-1804] teria classificado o ciberespaço como “sublime”.

Pouco mais de uma década atrás, havia um brilhante comercial inglês de cerveja. A primeira parte reproduzia a conhecida história de uma moça que caminha ao longo de um riacho, vê um sapo, o toma nas mãos e beija, e o sapo miraculosamente se transforma em príncipe. Mas a história não acabava assim. O jovem olhava a moça de um jeito cobiçoso, a tomava nos braços, a beijava e ela se transformava em uma garrafa de cerveja, que ele exibia em um gesto triunfante.

Assombração na rede

A moça fantasiava sobre um sapo que na verdade era príncipe, o rapaz sobre uma moça que na verdade era uma garrafa de cerveja: para a mulher, seu amor e afeto (sinalizado pelo beijo) poderiam fazer de um sapo um príncipe, enquanto para o homem, tudo não passa de um esforço para reduzir a mulher ao que os psicanalistas designam como “objeto parcial” -aquilo que, em você, me faz desejar você (é claro que um argumento feminista óbvio seria que as mulheres, em sua experiência amorosa cotidiana, em geral experimentam a passagem oposta: beijam um belo jovem e, quando o vêem de perto, ou seja, tarde demais, descobrem que ele é um sapo…).

O casal real de homem e mulher, portanto, vive assombrado por essa bizarra figura de um sapo abraçando uma garrafa de cerveja. O que a arte moderna propicia é exatamente esse espectro subjacente. É perfeitamente possível imaginar um quadro do pintor surrealista Magritte no qual um sapo abraça uma garrafa de cerveja, com um título como “Homem e Mulher” ou “Casal Ideal” (a associação com a famosa cena surrealista do burro morto ao piano [do filme "O Cão Andaluz"] fica completamente justificada, nesse caso).

É essa a ameaça do ciberespaço e de seus jogos, no plano mais elementar: quando um homem e uma mulher interagem nele, podem se ver assombrados pelo espectro do sapo que abraça a cerveja. Já que nenhum dos dois está consciente disso, as discrepâncias entre o que “você” realmente é e o que “você” aparenta ser no espaço digital podem resultar em violência homicida.

SLAVOJ ZIZEK é filósofo esloveno e autor de “Um Mapa da Ideologia” (Contraponto). Ele escreve na seção “Autores”, do Mais!. Tradução de Paulo Migliacci.

Texto Retirado de: Folha de São Paulo Online - http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0701200715.htm
Fonte: http://teiadasvaidades.blogspot.com.br/2012/01/identidades-vazias-um-texto-de-slavoj_26.html

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Slavoj Zizek fará palestra no Recife em março


O pensador esloveno, um dos mais polêmicos e famosos filósofos contemporâneos, vem a cidade fazer uma palestra e autografar seu novo livro

Publicado em 21/01/2013, às 11h24

Do JC Online




Filósofo virá ao Recife para lançar também o seu último livro, uma recuperação do pensamento de Hegel

Reprodução

O filósofo esloveno Slavoj Zizek, um dos críticos culturais e pensadores políticos mais conhecidos no mundo acadêmico atual, vem ao Recife no dia 15 de março. O teórico participa do evento ArtFliporto Apresenta, promovido pela Editora Carpem Diem em parceria com a Boitempo Editorial, que promove um debate para o lançamento da nova edição da revitsta de cultura e ensaios quadrimestral. O preço dos ingressos e o local da palestra ainda não foram divulgados. Ele ainda fará uma noite de autógrafos na cidade.
Zizek é talvez o mais pop dos filósofos contemporâneos, chamado também de "Elvis Presley da Teoria Cultural”. Professor da European Graduate School e pesquisador sênior no Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana, o esloveno tem uma forta atuação política em textos e em apoio a movimentos sociais como o Occupy Wall Street. Em março, ele vem lançar no Brasil o seu novo livro, Menos que nada: Hegel e a sombra do materalismo histórico, obra de mais de 900 páginas em que resgata a importância do pensamento de Hegel para entender o mundo atual.
“Ter Slavoj Zizek neste momento em que as redes sociais estão nos ajudando a pensar as formas de uso dos espaços públicos é fundamental. Slavoj Zizek é um provocador e com certeza o público recifense, que adora uma provocação, vai gostar da sua presença”, diz o jornalista e crítico literário Schneider Carpeggiani, editor da ArtFliporto.

Fonte: http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/literatura/noticia/2013/01/21/slavoj-zizek-fara-palestra-no-recife-em-marco-70723.php

Livro sobre liberdade e futuro da internet do criador do Wikileaks terá edição brasileira


Portal EBC - Leyberson Pedrosa

O movimento Cypherpunk começou na década de 1980 e conta com pensadores, programadores e ativistas dedicados à preservação da privacidade e liberdade de expressão dos indivíduos nas redes
(Capa do Livro / Divulgação)
A edição brasileira do livro Cypherpunk - liberdade e o futuro da internet será lançada no Brasil no dia 1º de fevereiro. O livro foi escrito por Julian Assange, editor chefe do Wikileaks, site responsável por publicar informações, documentos e outros conteúdos confidenciais de governos do mundo sobre assuntos sensíveis.

De acordo com a editora da versão em português, o livro aborda a vigilância em massa e a censura na internet, tendo como principal mote o movimento cypherpunk. O terrmo é  uma derivação de cipher (escrita cifrada) e punk e consta no Dicionário de Língua Inglesa Oxford desde 2006.

As ações do Cypherpunk contam com pensadores, programadores e ativistas dedicados à preservação da privacidade e liberdade de expressão dos indivíduos nas redes.  O grupo estimula o uso da criptografia e de outros métodos similares como o uso de apelidos em vez de nomes reais nas atividades de comunicação e mobilização social tanto na internet como fora dela.

#InternetFreedomDay (Dia da Liberdade na Internet)
O livro será lançado a duas semanas do aniversário de um ano de um apagão virtual (18 de janeiro de 2012) de mais de 115 mil sites em protesto ao projeto de lei SOPA para bloquear sites que desrespeitassem a lei de propriedade intelectual dos Estados Unidos. Depois damobilização de organizações sociais e cooporações como Google e Yahoo, o projeto saiu da pauta de votação do congresso norte-americano.

A obra chega ao Brasil em um momento que a liberdade na internet voltou a ser assunto mundial após o suícidio do ativista e criador do sistema RSS, Aaron Swartz, encontrado morto no dia 11 de janeiro de 2013. O programador estava sendo acusado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) de ter copiado ilegalmente documentos da instituição. A publicação conta ainda com o prefácio do filósofo Slavoj Žižek. No texto de apresentação, o pensador alerta que várias instituições políticas e jurídicas no mundo "estão envolvidas em atividades sistemáticas de censurar e restringir os potenciais democráticos da nova mídia digital".

Fonte: http://www.ebc.com.br/tecnologia/2013/01/livro-sobre-liberdade-e-futuro-da-internet-do-criador-do-wikileaks-tera-edicao

O filósofo Zizek deveria ser mais cauteloso antes de disparar sua metralhadora conceitual.


Por Claudio Castoriadis

"Não posso dizer que entendo Hegel e Lacan, os dois faróis de Zizek. Mas, mesmo difícil, ele escreve bem, sabe explicar o que pensa, leva o leitor por longos, longuíssimos raciocínios, cheios de exemplos engraçados, irônicos, absurdos, em geral tirados do cinema: Hitchcock, David Lynch, irmãos Marx, muitos outros. O homem é uma enciclopédia de cinema! Deve ter memória fotográfica porque é capaz de descrever em detalhes todos os filmes que viu. Fascinante! Mas é cansativo. Depois de uma hora conversando com ele, eu estava batendo pino. Simpaticíssimo, galhofeiro (adora uma piada suja), a mil por hora, Zizek é de uma obsessão contagiosa. Paradoxo: é antissocial. Diz que não gosta de gente. Detesta estudantes, intelectuais, outros psicanalistas – especialmente os lacanianos como ele – a esquerda em geral, e obviamente, despreza a direita e o centro. Mas é um doce de pessoa. Não tente entender" (Jorge Pontual a respeito de Slavoj Zizek).

Pois bem, nem preciso lembrar para quem o Jorge pontual trabalha. O que deveras me chamou atenção nessa declaração feita em off pelo Pontual foi o comentário de má fé imputados ao Zizek. Confesso que nunca fui fá do intelectual “marxista”, Slavoj Zizek. Sempre que a conversa é sobre sua postura filosófica, um tipo de esquerda que me causa espanto, meu silêncio é uma resposta em respeito à figura desse simpático pensador.

Porém, como toda mente inquiridora vasculha uma ideia de várias maneiras, a minha foi além do espetáculo de mungangos do Zizek e suas críticas para os líderes latinos.

Sociólogo, filósofo e teórico crítico esloveno, Slavoj Žižek é professor da European Graduate School e pesquisador sénior no Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana. É também professor visitante em várias universidades estadunidenses, entre as quais podemos citar a Universidade de Columbia, Princeton, a New School for Social Research, de Nova Iorque, e a Universidade de Michigan. Nascido na antiga Jugoslávia, em Liubliana, hoje capital da Eslovénia, doutorou-se em Filosofia na sua cidade natal e estudou Psicanálise na Universidade de Paris. Belo currículo. Mas algo me deixou intrigado nessa entrevista. Uma pergunta de imediato arrebatou minha atenção. Será que todos sabem sobre um corte grotesco – feito pelos editores do programa – quando Zizek estava falando positivamente sobre Lula? E quem viu a entrevista reparou que constantemente o pensador esloveno se retrata sempre que a temática abordava Lula? Mas claro, quando o assunto era sobre os demais líderes latinos ele não fazia economia de críticas. O que será que a globo tinha em mente com essa edição dos comentários de Zizek? O filósofo Zizek deveria ser mais cauteloso antes de disparar sua metralhadora conceitual.


Fonte: http://claudiocastoriadis.blogspot.com.br/2013/01/o-filosofo-zizek-deveria-ser-mais.html

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Livro Entendendo Slavoj Zizek


As ideias do pensador mais polêmico da atualidade


Um livro com uma abordagem profunda, intensa e questionadora sobre o mundo, num formato ricamente ilustrado e moderno, onde texto e artes gráficas se juntam resultando numa linguagem objetiva e visualmente interessante.

É o que propõe a Coleção Entendendo, que traz grandes temas e nomes em formato de guia ilustrado.

O quinto volume da coleção traz o livro Entendendo Slavoj Zizek, um filósofo, sociólogo e teórico crítico esloveno que analisa as atuais crises globais ligadas ao meio ambiente, pobreza, guerras, desordens civis e revoluções.

Considerado o “filósofo mais perigoso do Ocidente” pela revista New Republic, e o “messias superstar da nova esquerda”, pelo jornal Observer, Slavoj Žižek inspira manchetes radicais. Para entender seu pensamento sobre o mundo, “Entendendo Slavoj Žižek” revela um polemista provocador, cuja extensa obra apresenta uma imensa preocupação filosófica da sociedade moderna e suas causas ideológicas.

Tudo sob o ponto de vista criativo e dinâmico do ilustrador Piero, que traduz esse pensamento através dos seus traços.

Leitura muito recomendada!

Sobre os autores
Christopher Kul-Want é diretor do curso de mestrado de belas-artes da Byan Shaw School of Art, em Londres. Escreve artigos sobre teoria, história e crítica da arte. É autor de outros livros dessa coleção, comoKant.

Piero é ilustrador e artista gráfico, cujos trabalhos foram expostos no Royal College of Art, em Londres. Ilustrou outros livros dessa coleção, tais como Barthes, Nietzche e Shakesperare.
Por Portal do Cambuí

Fonte: http://www.portaldocambui.com.br/noticia.asp?id=1003708&titulo=Livro+Entendendo+Slavoj+Zizek

Vivendo no fim dos tempos: o Apocalipse segundo Zizek

Em seu novo livro, "Vivendo no fim dos tempos" (Boitempo Editorial), Slavoj Zizek defende que o capitalismo global está se aproximando rapidamente da sua crise final. Ele identifica os quatro cavaleiros deste apocalipse: a crise ecológica, as consequências da revolução biogenética, os desequilíbrios do próprio sistema (problemas de propriedade intelectual, a luta vindoura por matérias-primas, comida e água) e o crescimento explosivo de divisões e exclusões sociais. Zizek apresenta sua obra como "parte da luta contra aqueles que estão no poder em geral, contra sua autoridade, contra a ordem global e contra a mistificação ideológica que os sustenta".


Não deveria haver mais nenhuma dúvida: o capitalismo global está se aproximando rapidamente da sua crise final. Slavoj Žižek identifica neste livro os quatro cavaleiros deste apocalipse: a crise ecológica, as consequências da revolução biogenética, os desequilíbrios do próprio sistema (problemas de propriedade intelectual, a luta vindoura por matérias-primas, comida e água) e o crescimento explosivo de divisões e exclusões sociais. E pergunta: se o fim do capitalismo parece para muitos o fim do mundo, como é possível para a sociedade ocidental enfrentar o fim dos tempos?

Para explicar porque estaríamos tentando desesperadamente evitar essa verdade, mesmo que os sinais da “grande desordem sob o céu” sejam abundantes em todos os campos, Žižek recorre a um guia inesperado: o famoso esquema de cinco estágios da perda pessoal catastrófica (doença terminal, desemprego, morte de entes queridos, divórcio, vício em drogas) proposto pela psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross, cuja teoria enfatiza também que esses estágios não aparecem necessariamente nessa ordem nem são todos vividos pelos pacientes.

De acordo com Žižek, podemos distinguir os mesmos cinco padrões no modo como nossa consciência social trata o apocalipse vindouro. “A primeira reação é a negação ideológica de qualquer ‘desordem sob o céu’; a segunda aparece nas explosões de raiva contra as injustiças da nova ordem mundial; seguem-se tentativas de barganhar (‘Se mudarmos aqui e ali, a vida talvez possa continuar como antes...’); quando a barganha fracassa, instalam-se a depressão e o afastamento; finalmente, depois de passar pelo ponto zero, não vemos mais as coisas como ameaças, mas como uma oportunidade de recomeçar. Ou, como Mao Tsé-Tung coloca: ‘Há uma grande desordem sob o céu, a situação é excelente’”.

Os cinco capítulos se referem a essas cinco posturas.

O capítulo 1, “Negação”, analisa os modos predominantes de obscurecimento ideológico, desde os últimos campeões de bilheteria de Hollywood até o falso apocaliptismo (o obscurantismo da Nova Era, por exemplo).

O capítulo 2, “Raiva”, examina os violentos protestos contra o sistema global, em especial a ascensão do fundamentalismo religioso.

O capítulo 3, “Barganha”, trata da crítica da economia política, com um apelo à renovação desse ingrediente fundamental da teoria marxista.

O capítulo 4, “Depressão”, descreve o impacto do colapso vindouro, principalmente em seus aspectos menos conhecidos, como o surgimento de novas formas de patologia subjetiva.

E, por fim, o capítulo 5, “Aceitação”, distingue os sinais do surgimento da subjetividade emancipatória e procura os germes de uma cultura comunista em suas diversas formas, inclusive nas utopias literárias e outras.

Žižek é otimista quanto ao que pode surgir desse processo de emancipação e apresenta sua obra como parte da luta contra aqueles que estão no poder em geral, contra sua autoridade, contra a ordem global e contra a mistificação ideológica que os sustenta. Para ele, engajar-se nessa luta significa endossar a fórmula de Alain Badiou, para quem mais vale correr o risco e engajar-se num Evento-Verdade, mesmo que essa fidelidade termine em catástrofe, do que vegetar na sobrevivência hedonista-utilitária. Rejeita, assim, a ideologia liberal da vitimação, que leva a política a renunciar a todos os projetos positivos e buscar a opção menos pior.

Trecho do livro
“Essa virada na direção do entusiasmo emancipatório só acontece quando a verdade traumática não só é aceita de maneira distanciada, como também vivida por inteiro: ‘A verdade tem de ser vivida, e não ensinada. Prepara-te para a batalha!’. Como os famosos versos de Rilke (“Pois não há lugar que não te veja. Deves mudar tua vida”), esse trecho de O jogo das contas de vidro, de Hermann Hesse, só pode parecer um estranho non sequitur: se a Coisa me olha de todos os lados, por que isso me obriga a mudar? Por que não uma experiência mística despersonalizada, em que ‘saio de mim’ e me identifico com o olhar do outro? E, do mesmo modo, se é preciso viver a verdade, por que isso envolve luta? Por que não uma experiência íntima de meditação?

Porque o estado ‘espontâneo’ da vida cotidiana é uma mentira vivida, de modo que é necessária uma luta contínua para escapar dessa mentira. O ponto de partida desse processo é nos apavorarmos com nós mesmos.

Quando analisou o atraso da Alemanha em sua obra de juventude Crítica da filosofia do direito de Hegel, Marx fez uma observação sobre o vínculo entre vergonha, terror e coragem, raramente notada, mas fundamental:

É preciso tornar a pressão efetiva ainda maior, acrescentando a ela a consciência da pressão, e tornar a ignomínia ainda mais ignominiosa, tornando-a pública. É preciso retratar cada esfera da sociedade alemã como a partie honteuse [parte vergonhosa] da sociedade alemã, forçar essas relações petrificadas a dançar, entoando a elas sua própria melodia! É preciso ensinar o povo a se aterrorizar diante de si mesmo, a fim de nele incutir coragem.”

Sobre o autor
Slavoj Žižek nasceu em 1949 na cidade de Liubliana, Eslovênia. É filósofo, psicanalista e um dos principais teóricos contemporâneos. Transita por diversas áreas do conhecimento e, sob influência principalmente de Karl Marx e Jacques Lacan, efetua uma inovadora crítica cultural e política da pós‑modernidade. Professor da European Graduate School e do Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana, Žižek preside a Society for Theoretical Psychoanalysis, de Liubliana, e é diretor internacional do Instituto de Humanidades da Universidade Birkbeck de Londres.

Vivendo no fim dos tempos é o seu sétimo livro traduzido pela Boitempo. Dele, a editora também publicou Bem‑vindo ao deserto do Real!, em 2003, Às portas da revolução (escritos de Lenin de 1917), em 2005, A visão em paralaxe, em 2008, Lacrimae Rerum, em 2009, Em defesa das causas perdidas e Primeiro como tragédia, depois como farsa, os dois últimos em 2011.

Ficha técnica
Título: Vivendo no fim dos tempos
Título original: Living in the end times
Autor: Slavoj Žižek
Tradução: Maria Beatriz de Medina
Orelha: Emir Sader
Páginas: 368
ISBN: 978-85-7559-212-0
Preço: R$ 52,00
Editora: Boitempo

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20488

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

ASSISTA: Assange entrevista Slavoj Zizek e David Horowitz


O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, entrevista no segundo episódio da série “O mundo amanhã” o intelectual superstar Slavoj Zizek e David Horowitz, um dos líderes da direita americana. O encontro, entre mentes tão diferentes, resulta em uma entrevista no mínimo acalorada.
“Você é um apoiador da coisa mais próxima que temos do nazismo”, diz Horowitz. “Você apoia os palestinos. Eu não vejo como diferenciar os palestinos que querem matar os judeus dos nazistas”. Irritado, o esloveno dispara: “Desculpe, você já foi à Cisjordânia?” Em alguns momentos, Assange tem que segurar o exaltado Zizek, embora seu adversário esteja em outro continente. “Nós, totalitários das antigas, deveríamos, nos juntar e nos livrar deste liberal aqui!”, brinca Zizek para Horowitz, referindo-se a Assange.
O tom da conversa entre os três varia entre o antagônico e o bem humorado. Os três falam de personalidades que vão de Stalin a Obama, do conflito entre Israel e palestinos, do desejo da liberdade ao Estado de vigilância, passando, é claro, pelo trabalho o WikiLeaks, considerado “perigoso” por Horowitz. No final, Zizek conclui: “Isso foi uma loucura!”
O Radar Global publica as entrevistas semanalmente, sempre às quartas-feiras. A Agência Pública é responsável pela adaptação para o Brasil da série, realizada pelo WikiLeaks em parceria com o canal russo RT. Os episódios serão exibidos semanalmente com legendas em português. Assista a seguir.



Fonte: http://blogs.estadao.com.br/radar-global/assista/

Assange promove debate entre comunista e sionista

Durante a entrevista, o conservador David Horowitz comparou os palestinos aos nazistas

No segundo episódio da série “O Mundo Amanhã”, o fundador do Wikileaks, Julian Assange, entrevista Slavoj Žižek e David Horowitz. Žižek, que foi candidato à Presidência da Eslovênia nos anos 1990, é conhecido como um “intelectual superstar” e se define como leninista, apesar de ter um retrato de Stálin em sua casa. David Horowitz, por sua vez, é um expoente do pensamento conservador norte-americano – e um sionista sem o menor pudor. Atualmente, seu instituto faz campanhas contra influências islâmicas e de esquerda na mídia, na academia e na política.

O encontro, entre pensadores que defendem causas completamente diferente,  foi acalorado. “Você é um apoiador da coisa mais próxima que temos do nazismo. Você apoia os palestinos. Eu não vejo como diferenciar os palestinos, que querem matar os judeus, dos nazistas”, diz Horowitz.

Irritado, o esloveno dispara: “Desculpe, você já foi à Cisjordânia?”. Em alguns momentos, Assange tem que segurar o exaltado Žižek, embora seu adversário esteja em outro continente.

O tom da conversa varia entre o antagônico e o bem humorado; os três falam de personalidades que vão de Stalin a Obama, do conflito entre Israel e Palestina, do desejo da liberdade ao Estado de vigilância,– passando, é claro, pelo trabalho do WikiLeaks, considerado “perigoso” por Horowitz. No final, Žižek conclui: “Isso foi uma loucura!”.
O projeto “O Mundo Amanhã” foi produzido pelo WikiLeaks em parceria com o canal RT, da Rússia. A publicação foi autorizada pela Agência Pública.

Fonte: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/24803/assange+promove+debate+entre+comunista+e+sionista.shtml

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Slavoj Zizek e a fé

Em novo livro, filósofo contraria Freud e analisa enraizamento da religião


O filósofo esloveno contraria o prognóstico freudiano segundo o qual a crença religiosa sucumbiria diante do progresso da razão tecnocientífica. Zizek defende que as crenças estão enraizadas e analisa este fenômeno em uma sociedade sem Deus.
O Amor Impiedoso (ou: Sobre a Crença)
Slavoj Zizek
Trad.: Lucas Mello Carvalho Ribeiro
Autêntica
210 págs. – R$ 37

Fonte: http://revistacult.uol.com.br/home/2012/10/slavoj-zizek-e-a-fe/

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Tradução: Por que temer o espírito revolucionário árabe? (Slavoj Zizek)


Artigo escrito pelo filósofo Slavoj Zizek, para o Jornal The Guardian.

O que não pode senão saltar aos olhos nas revoltas na Tunísia e no Egito é a evidente ausência do fundamentalismo mulçumano. Na melhor tradição democrata secular, as pessoas simplesmente se revoltam contra um regime opressor, sua corrupção e pobreza, e exigir a liberdade e esperança econômica. A cínica sabedoria dos liberais ocidentais, secundo a qual, nos países árabes o genuíno sentido democrático se limita a uma estreita elite liberal enquanto a vasta maioria somente se mobiliza por meio do fundamentalismo religioso e o nacionalismo, se mostrou errada. A grande questão é o que vai acontecer depois? Quem irá emergir como o vencedor político?

Quando um novo governo provisório foi nomeado em Túnis, ele excluiu os islamistas e a esquerda radical. A reação dos presunçosos liberais foi “bom, eles são basicamente os mesmos; dois extremos totalitários” – mas as coisas são simples assim? O antagonismo a longo prazo não é precisamente entre os islamistas e a esquerda? Mesmo que estejam momentaneamente unidos contra o regime, uma vez que se aproximam da vitória, eles se dividem, eles se engajam em uma luta mortal, frequentemente mais cruel que compartilharam contra o inimigo comum.

Não presenciamos exatamente esta luta depois das últimas eleições no Irã? O que representavam as centenas de milhares de apoiadores de Mausavi era o sonho popular que sustentou a revolução de Khomeini: liberdade e justiça. Mesmo este sonho utópico, ele levou a uma explosão de criatividade politica e social de tirar o fôlego, experimentos organizativos e debates entre estudantes e pessoas do povo. Esta genuína abertura que desatou forças inauditas de transformação social, num momento em que tudo pareceu possível, foi depois gradualmente sufocada pela tomada de controle político realizada pela hierarquia islamista.

Até mesmo no caso de movimentos claramente fundamentalistas, deve-se cuidadosamente não descartar o componente social. O Talibã é regularmente apresentado como um grupo islâmico fundamentalista forçando sua regra com o terror. Entretanto, quando na primavera de 2009, eles tomaram o Vale do Swat no Paquistão, o New York Times relatava que eles arquitetaram uma “revolta de classe que explora profundas fissuras entre pequeno grupo de ricos proprietários e seus inquilinos sem-terra”. Se, ao “tirar vantagem” da desgraça dos camponeses, o Talibã está criando, nas palavras do New York Times, “alarme com os riscos que corre o Paquistão, que permanece majoritariamente feudal”, o que impediu, então, os democratas liberais no Paquistão e nos EUA de “tirar vantagem” dessa desgraça da mesma forma e tentar ajudar os camponeses sem-terra? Será que é porque as forças feudais no Paquistão são aliadas naturais da democracia liberal?

A inevitável conclusão a ser desenhada é que o surgimento do islamismo radical sempre o outro lado da moeda da desaparição da esquerda secular nos países muçulmanos. Quando o Afeganistão é retratado como o país ápice do fundamentalismo islâmico, quem ainda se lembra que a 40 anos atrás, ele era uma nação com uma forte tradição secular, incluindo um poderoso partido comunista que tomou o poder independente da União Soviética? Onde esta tradição secular foi?

É crucial ler os eventos atuais na Tunísia e no Egito (e Iêmen e…Talvez, esperançosamente, até na Arábia Saudita) contra este pano de fundo. Se a situação eventualmente estabilizar, de forma que o antigo regime sobreviva, mas com alguma cirurgia cosmética liberal, isso ira provocar uma insuperável reação fundamentalista. Uma chave para que o legado liberal sobreviva, é a necessidade de uma ajuda fraterna da esquerda radical. De volta ao Egito, a mais vergonhosa e oportunisticamente perigosa reação foi a do Tono Blair em resposta a CNN: a mudança é necessária, contudo deveria ser uma mudança estável. Mudança estável no Egito hoje pode significar somente um compromisso com as forças de Mubarak através de uma ligeira ampliação do circulo dominante. É por isso que falar de transição pacifica agora é uma obscenidade: ao esmagar a oposição, o próprio Mubarak tornou esta mudança impossível. Depois que Mubarak enviou o exercito contra os protestavam a escolha ficou clara: ou uma mudança cosmética no qual no qual se muda para ficar o mesmo, ou uma verdadeira ruptura.

Eis aqui então o momento da verdade: não é possível argumentar, como no caso da Argélia de uma década atrás, que a verdadeira eleição livre é igual a entregar o poder aos fundamentalistas islâmicos. Outra preocupação liberal é que não se tem uma organização politica para tomar o lugar quando Mubarak se for. É claro que não existe; Mubarak tomou o cuidado de reduzir toda a oposição ao nível de um ornamento marginal, de uma forma que o resultado é como um título de um famoso romance de Agatha Christie “And Then There Were None” (E Então não Sobrou Nenhum). O argumento em favor de Mubarak – é ele ou é o caos – é um argumento contra ele.

É de tirar o fôlego a hipocrisia dos liberais ocidentais: eles publicamente apoiaram a democracia, e agora, quando o povo se revolta contra os tiranos em nome da justiça e da liberdade seculares, e não em nome da religião, eles ficam profundamente preocupados. Por que a preocupação. Por que não a alegria que a liberdade esta ganhando uma chance? Hoje, mas do que nunca a máxima de Mao Tsé Tung é pertinente: “Há um grande caos sob os céus – a situação é excelente”

Então para onde deveria ir Mubarak? Aqui também a resposta é clara: para Haia. Se há um líder que merece estar lá, este líder é Mubarak.

Tradução: Rafael Leopoldo A S Ferreira
Original:Why fear the Arab revolutionary spirit?
Fonte: The Guardian (http://www.guardian.co.uk/ )