À primeira vista parecem impecáveis as credenciais dos que, antes mesmo do lançamento do filme, puseram-se a criticar a versão cinematográfica de Mel Gibson sobre as últimas 12 horas da vida de Cristo. Considerando-se o fanatismo desse católico tradicionalista, capaz de eventuais rompantes anti-semitas, não seria plenamente justificável a preocupação de que seu filme venha a incitar sentimentos anti-semitas? E, em termos mais gerais, não seria “A Paixão de Cristo” uma espécie de manifesto dos nossos próprios (ocidentais, cristãos) fundamentalistas e anti-secularistas? Portanto, que alternativa restaria aos secularistas ocidentais senão rejeitá-lo? Se retendemos deixar claro que não somos racistas dissimulados, para os quais apenas o fundamentalismo dos outros (muçulmanos) deve ser condenado, não seria um “sine qua non” reprovar o filme de forma categórica? É bem conhecido o modo ambíguo como o papa reagiu ao filme. Logo após assisti-lo, profundamente comovido, ele murmurou: “É como foi!”, mas os porta-vozes oficiais do Vaticano trataram de negar a declaração. A fim de não ferir suscetibilidades, esse vislumbre da reação espontânea do papa foi rapidamente corrigido e substituído por uma posição “oficial” neutra. Tal atitude serve como uma luva para exemplificar o que há de errado com a tolerância liberal, o equívoco inscrito no receio politicamente correto de ofender sensibilidades religiosas alheias. Ainda que na Bíblia se afirme que a turba judia exigiu a morte de Cristo, a cena não deve ser representada de forma explícita. Ao contrário, é preciso reduzir seu impacto e contextualizá-la, de maneira a deixar claro que os judeus não são coletivamente culpados pela crucificação… A questão é que isso se presta apenas a reprimir a agressividade da paixão religiosa; a qual permanence ardendo sob a superfície e, não tendo como ser extravasada, vai se tornando mais e mais intensa. Em novembro de 2002, o presidente dos EUA, George W. Bush, foi censurado por membros da direita de seu próprio partido por ter adotado, no entender deles, um posicionamento brando demais em relação ao islamismo: acusaram-no de repetir o mantra segundo o qual o terrorismo nada tem a ver com o islã, essa formidável e tolerante religião. Como esclareceu uma coluna publicada no “Wall Street Journal”, o verdadeiro inimigo dos EUA não é o terrorismo, e sim o islamismo militante. Por conseguinte, é preciso reunir coragem e proclamar o fato politicamente incorreto (mas não obstante óbvio) de que o islã possui um profundo traço de violência e intolerância ou, para falar sem meias palavras, de que há algo nessa religião que resiste à ordem mundial liberal-capitalista.
Ira e orgulho.
E é aqui que uma análise verdadeiramente radical deve romper com a atitude liberal padrão: não, nem mesmo nesse caso, se deve apoiar o presidente norte-americano; a posição de Bush, em última instância, não é melhor do que a de Cohen, Buchanan, Pat Robertson e outros antiislamitas -ambos os lados dessa moeda estão errados. É contra esse pano de fundo que se deve abordar “The Rage and the Pride” [A Ira e o Orgulho, ed. Rizzoli], em que Oriana Fallaci apresenta sua apaixonada defesa do Ocidente contra a ameaça muçulmana, sua despudorada afirmação da superioridade ocidental, seu menoscabo do islamismo, ao qual ela nega até mesmo o status de cultura diversa, qualificando-o como uma manifestação bárbara (o que significa dizer que não estamos diante de um choque entre civilizações, mas sim de um conflito entre a nossa civilização e a barbárie muçulmana). O livro de Fallaci é, “stricto sensu”, o anverso da tolerância politicamente correta: o vigor de sua paixão é a verdade do que há de pusilanimidade em tal tolerância.
Nesse horizonte, a única resposta “apaixonada” à paixão fundamentalista é um secularismo agressivo do tipo que o Estado francês recentemente exibiu ao proibir o uso de roupas e símbolos religiosos chamativos nas escolas (proibição que abrange não somente o véu muçulmano, mas também o solidéu judeu e os crucifixos de dimensões excessivas). Não é difícil prever as conseqüências últimas de tal medida: excluídos da esfera pública, os muçulmanos serão impelidos de reunir-se em comunidades fundamentalistas não integradas ao conjunto da sociedade francesa. Era a isso que Lacan se referia quando enfatizava a relação entre o governo da “fraternidade” pós- revolucionária e a lógica da segregação. E talvez a proibição de abraçar uma crença de forma apaixonada explique a emergência, nos dias que correm, da “cultura” enquanto categoria vida-mundo central. As pessoas podem muito bem ter sua religião, contanto que esta não se configure como um modo de vida substancial, isto é, desde que ela seja entendida como uma “cultura” particular ou, melhor dizendo, um simples fenômeno de estilo de vida: o que a legitima não é aquilo que lhe é imanente, a afirmação de uma verdade, mas o fato de nos permitir expressar nossos sentimentos e atitudes mais íntimos.
Hoje em dia, não “acreditamos para valer”, apenas seguimos (alguns) rituais e costumes religiosos por respeito ao “estilo de vida” da comunidade a que pertencemos (o que nos remete ao proverbial judeu incréu que obedece às regras kosher “por respeito à tradição”). A frase “no fundo não levo isso a sério, é só parte da minha cultura” parece efetivamente simbolizar o modo de crença negado/ deslocado característico de nossos tempos. Como entender, senão como um “estilo de vida cultural”, o hábito que as pessoas têm de colocar árvores de Natal em suas casas e até em lugares públicos todo mês de dezembro, apesar de não acreditarem em Papai Noel? De modo que “cultura” talvez seja o nome que damos a todas as coisas que fazemos sem realmente acreditar nelas, sem “levá-las a sério”. Não seria justamente esse o motivo de a ciência -com todo o peso de realidade que ela traz consigo- não fazer parte de tal noção de cultura?
E não seria também esse o motivo de repudiarmos os crentes fundamentalistas -esses indivíduos que ousam “levar a sério” suas crenças, tachando-os de “bárbaros” e inimigos da cultura? No frigir dos ovos, o fato é que atualmente vemos como uma ameaça à cultura todos os que a vivenciam de forma imediata, todos os que não guardam certo distanciamento em relação a ela. Recorde-se o sentimento de afronta que se disseminou entre nós quando, três anos atrás, as forças talebãs afegãs dinamitaram as antigas estátuas budistas de Bamiyan: malgrado nenhum de nós, ocidentais esclarecidos, acreditar na divindade de Buda, ficamos indignados porque os muçulmanos talebãs se recusaram a tratar com o devido respeito a “herança cultural” de seu país e da humanidade.
Em vez de acreditar por meio do outro, como todas as pessoas de cultura, eles levaram sua religião realmente a sério e, assim, não demonstraram grande sensibilidade pelo valor cultural de monumentos erigidos por outra religião -a seus olhos, as estátuas de Buda eram ídolos falsos, e não “tesouros culturais” (por falar nisso, não seria essa indignação do mesmo tipo da atualmente exibida por anti-semitas esclarecidos que, embora descrentes da divindade de Jesus Cristo, acusam os judeus de o terem assassinado? E o mesmo também não poderia ser dito do típico judeu secular que, apesar de não acreditar em Jeová e em seu profeta Moisés, acha que os judeus têm um direito divino à terra de Israel?).
Jacques Lacan definiu o amor como “dar algo que não se tem” -mas as pessoas amiúde se esquecem de acrescentar a outra metade da frase: “… a alguém que não o deseja”. A definição é corroborada pelo sentimento mais elementar que nos sobrevêm quando somos pegos de surpresa por uma pessoa que se diz apaixonada por nós: num primeiro momento, antes de eventualmente declararmos que o amor é recíproco, não ficamos com a sensação de estarmos sendo submetidos a algo obsceno, intrusivo? É por isso que, ao fim e ao cabo, a paixão enquanto tal é “politicamente incorreta”: embora tudo pareça ser permitido, as proibições estão meramente deslocadas.
Basta lembrar o beco sem saída em que se encontram a sexualidade e a arte nos dias de hoje: há algo de mais enfadonho, oportunista e estéril do que sucumbir às injunções superegóicas que induzem à invenção incessante de novas formas artísticas de transgressão e provocação (o artista performático que se masturba em cima de um palco ou que faz cortes masoquistas em si mesmo; o escultor que exibe corpos de animais em estado de putrefação ou excrementos humanos)? E o que dizer de injunções paralelas a essas, que incitam a adoção de práticas sexuais cada vez mais “ousadas”? Recentemente, certos círculos “radicais” norte-americanos chegaram a levantar a bandeira de que é preciso “repensar” os direitos dos necrófilos: por que haveriam eles de ser privados da realização de seu desejo de fazer sexo com cadáveres? Logo, formulou-se a proposta de que, assim como as pessoas assinam termos de compromisso, autorizando a utilização de seus órgãos para fins médicos em caso de morte súbita, deveriam também poder autorizar que seus corpos fossem encaminhados aos necrófilos para que estes pudessem brincar com eles. Não é tal proposição um exemplo perfeito de como a atitude politicamente correta significa a realização do antigo insight de Kierkegaard, segundo o qual só os vizinhos mortos são bons vizinhos? Um vizinho morto, um cadáver, é o parceiro sexual ideal de sujeitos “tolerantes” que tentam evitar toda e qualquer forma de molestamento: por definição, não há como molestar um cadáver… Hoje encontramos no mercado uma série de produtos cujas propriedades nocivas foram suprimidas: café sem cafeína, creme de leite sem gordura, cerveja sem álcool… E a lista não pára por aí: vai do sexo virtual, esse sexo sem sexo, à doutrina Colin Powell da guerra sem baixas (do nosso lado, é claro), passando pela redefinição contemporânea da política como arte da administração especializada -isto é, da política sem política- ,para chegar ao multiculturalismo tolerante-liberal, que retira toda a diversidade do outro para que possamos experimentá-lo (esse outro idealizado que nos encanta com suas danças fascinantes, com sua abordagem holística e ecologicamente sensata da realidade, desde que não atentemos para algumas de suas outras práticas, como bater em mulheres e quejandos…). Do mesmo modo, no tocante à religião, o que a tolerância politicamente correta nos oferece é uma crença descafeinada: uma crença que não ofende ninguém e com a qual nem mesmo nós precisamos estar totalmente comprometidos. Tudo é permitido ao “último homem” hedonista dos tempos que correm: pode-se desfrutar de tudo, desde que as coisas sejam desprovidas de sua substância, daquilo que as torna perigosas. É por isso que Lacan acertou ao inverter o célebre mote de Dostoiévski: “Se Deus não existe, tudo é proibido!”. Deus está morto, vivemos num universo permissivo e devemos buscar os prazeres e a felicidade. Contudo, a fim de ter uma vida repleta de felicidade e prazeres, a pessoa tem que evitar os excessos perigosos, manter a forma, levar uma vida saudável, não molestar os outros… De modo que tudo é proibido se não estiver destituído de sua substância e, assim, acabamos por levar uma vida completamente regulada. E o inverso disso também é válido: se Deus existe, tudo é permitido -àqueles que afirmam agir em nome Dele, na condição de instrumentos de Sua vontade. É claro que um vínculo direto com Deus justifica a violação de quaisquer restrições e considerações de ordem “meramente humana” (como no stalinismo, em que a referência ao grandioso outro da necessidade histórica justificava a mais absoluta crueldade). O hedonismo atual conjuga prazer com temperança. Não se trata mais da antiga noção da “medida certa” entre prazer e temperança, mas sim de uma espécie pseudo-hegeliana de coincidência imediata dos opostos: ação e reação devem coincidir, a coisa que é prejudicial já deve conter em si o remédio para os males que causa. Não nos dizem mais “beba café, mas com moderação!”; agora a regra é “beba todo o café que quiser, pois o café já está descafeinado…”.
Chocolate laxante.
O exemplo mais acabado disso é o chocolate laxante, comercializado nos Estados Unidos com a seguinte injunção paradoxal: “Está com prisão de ventre? Coma mais deste chocolate!” -isto é, coma mais exatamente daquilo que causa prisão de ventre. E não é uma comprovação às avessas da hegemonia desse ponto de vista o fato de que o consumo realmente imoderado (em todas as suas formas mais significativas: drogas, sexo, fumo…) seja visto hoje como o principal mal a ser combatido?
Tanto é assim que a “biopolítica” concentra o grosso de seus investimentos na luta contra tais males, buscando desesperadamente soluções que reproduzam o paradoxo do chocolate laxante. A maior parte das atenções está voltada para o “sexo seguro”, expressão que nos faz compreender o que há de verdade no velho ditado: “Fazer sexo com camisinha é como tomar banho com uma capa de chuva”. O objetivo último aqui é, seguindo a linha do café descafeinado, inventar o “ópio sem ópio”. Não admira que a maconha seja tão popular entre os liberais que querem legalizá-la; afinal, ela já é uma espécie de “ópio sem ópio”.
A estrutura do “chocolate laxante”, ou seja, de um produto que contém oagente de sua própria inibição, pode ser entrevista em todo o panorama ideológico atual. Hoje há dois tópicos que determinam a atitude tolerante-liberal em relação ao outro: o respeito à diferença, a receptividade a ela, E o temor obsessivo do molestamento -em síntese, o outro não representa nenhum problema desde que sua presença não seja intrusiva, contanto que o outro não seja de fato outro… E é isso que vem emergindo com intensidade cada vez maior como o “direito humano” central na sociedade capitalista avançada: o direito de não ser molestado, isto é, de ser mantido a uma distância segura dos outros. Uma estrutura similar faz-se claramente presente na maneira como nos relacionamos com a exploração capitalista: não há nada de errado com tal exploração se ela for contrabalançada com atividades filantrópicas -primeiro a pessoa acumula seus bilhões, depois os restitui (em parte) aos necessitados…O mesmo vale para a guerra, para a lógica emergente do militarismo humanitário ou pacifista: não há problema algum com a guerra, desde que ela realmente se preste a gerar paz, democracia, ou a criar condições para a distribuição de ajuda humanitária. E isso se aplica cada vez mais até mesmo à democracia e aos direitos humanos: o que nos impediria de “repensar” os direitos humanos, de maneira a legalizar a tortura e os estados de emergência permanentes, se a democracia está purificada de seus “excessos” populistas?
Nessa era de supersensibilidade ao “molestamento” pelo outro, toda pressão ética é vivenciada como um falso front da violência do poder. Tal atitude nos impele a “reescrever” as injunções religiosas, adequando-as às nossas condições específicas. Há preceitos demasiado severos? Tratemos de reformulá-los de acordo com nossas sensibilidades! “Não cometerás adultério!” -a não ser que isso seja emocionalmente sincero e sirva ao objetivo de sua profunda auto-realização… “The Hidden Jesus” [O Jesus Oculto, St. Martin's Press], de Donald Spoto, exemplifica muito bem a questão. Nessa leitura “liberal” com laivos new age do cristianismo, se encontra a seguinte passagem a respeito do divórcio: “Jesus condenou abertamente o divórcio e censurou aqueles que se casam mais de uma vez.(…) Contudo não chegou a dizer que os casamentos não podem ser dissolvidos (…); em nenhuma outra parte de seus ensinamentos encontramos situações em que ele agrilhoe eternamente uma pessoa às conseqüências do pecado. Toda vezque se aproxima de alguém, sua intenção é liberar, não legislar. (…) É mais do que óbvio o fato de que alguns casamentos simplesmente chegam ao fim: compromissos são abandonados, promessas são violadas e o amor traído”.
Por mais que soem compassivas e “liberais”, essas palavras implicam uma confusão fatal entre os altos e baixos das relações afetivas e o compromisso simbólico que deveria supostamente vigorar de forma incondicional justamente quando os afetos deixam de lhe garantir respaldo direto. No fundo, o que Spoto diz é: “Não cometerás adultério – salvo quando seu casamento estiver “de fato” em frangalhos, ou seja, quando ele se afigurar como um ônus afetivo insuportável que frustra toda a sua vida”. Em resumo, o divórcio é permitido precisamente quando sua proibição teria recuperado toda a força de seu significado (afinal, quem há de querer se divorciar quando seu casamento ainda vai às mil maravilhas?)! Acaso isso significa que, contra a falsa tolerância do multiculturalismo liberal, devemos retornar ao fundamentalismo religioso?
O ridículo do filme de Gibson evidencia a impossibilidade de tal solução. Num primeiro momento, ele pretendia fazer o filme em latim e aramaico e exibi-lo sem legendas. Posteriormente, sob pressão dos distribuidores, concordou com a inserção de legendas em inglês (ou outros idiomas). No entanto essa sua concessão não foi somente uma submissão às pressões comerciais: se se mantivesse aferrado ao plano original, ele teria exposto de maneira escancarada a natureza autonegadora de seu projeto.
Imaginemos o filme sendo exibido sem legendas num cinema de shopping num subúrbio norte-americano: a pretendida fidelidade ao original se transformaria em seu oposto, isto é, num espetáculo exótico incompreensível. No entanto, para além do fundamentalismo religioso e da tolerância liberal, há uma terceira opção. Retomemos a distinção “politicamente correta” entre fundamentalismo islamita e islamismo: Bush e Blair (e até Sharon) nunca se esquecem de louvar o islã, caracterizando-o como uma religião admirável que prega o amor e a tolerância e que nada tem a ver com os abomináveis atentados terroristas… À medida que consideremos falsa essa distinção entre o “bom” islamismo e o “mau” terrorismo islamita, deveríamos também questionar a típica distinção “radical-liberal” entre judeus e Estado de Israel ou sionismo. O que está em jogo aqui é o esforço de abrir espaço para que judeus e cidadãos judeus de Israel possam criticar as políticas do Estado de Israel e a ideologia sionista -não apenas sem serem acusados de anti-semitismo, mas, sobretudo, de maneira que sua crítica seja formulada com base em seu próprio vínculo apaixonado com a condição judaica ou no que eles acreditam valer a pena preservar do legado judeu. Mas será que isso basta?
Verdadeiro islamismo.
Marx dizia que o “petit-bourgeois” é um sujeito que enxerga em todos os objetos dois aspectos, um bom e outro mau, tentando preservar o primeiro e eliminar o segundo. É preciso evitar esse equívoco no tocante ao judaísmo: não devemos desatrelar o “bom” judaísmo levinasiano, que prega a justiça, o respeito e a responsabilidade em relação aos outros etc., da “má” tradição de Jeová, com seus ataques de vingança e violência genocida contra os povos vizinhos. É preciso reunir coragem para transpor essa distância, essa tensão, e mergulhar no cerne do judaísmo: não faz mais sentido defender a pura tradição judaica da justiça e do amor pelo vizinho contra a agressiva asserção sionista do Estado-nação.
Nessa mesma linha, em vez de celebrar a grandeza do verdadeiro islamismo, opondo-a ao abuso que dele fazem os terroristas fundamentalistas, ou em vez de lamentar o fato de que, de todas as grandes religiões, o islã seja a mais resistente à modernização, seria melhor ver nessa resistência uma oportunidade, pois o fato é que ela não conduz necessariamente a um “islamo-fascismo” e pode muito bem ser articulada num projeto socialista. É precisamente por abrigar as “piores” potencialidades da resposta fascista às dificuldades presentes que o islã pode também vir a ser o lugar para o que há de “melhor”.
Em vez de tentar resgatar o núcleo estritamente ético de uma dada religião, salvando-o de instrumentalizações políticas, o que é preciso é lançar uma crítica implacável a esse mesmo núcleo em todas as religiões. De forma paradoxal, nos dias que correm -quando as próprias religiões (da espiritualidade new age ao espiritualismo hedonista e barato do Dalai Lama) parecem mais do que prontas para servir à busca pós-modernista do prazer,apenas um materialismo conseqüente é capaz de sustentar e propugnar o ascetismo de uma posição verdadeiramente ética.
[Texto enviado pelo leitor do Blog Mauricio Melim]
0 comentários:
Postar um comentário