“O que acontece é o trabalho, lento mas constante, de tirar a terra dos palestinos da Cisjordânia: o estrangulamento gradual da economia palestina, o deslocamento de suas terras, a construção de novos assentamentos, as pressões sobre os camponeses palestinos até que acabem abandonando a sua terra (que vão desde a queimada das colheitas e das profanações religiosas até os assassinatos individuais), tudo isso respaldado por uma rede kafkiana de normativas legais”, escreve Slavoj Zizek em artigo publicado no jornal espanhol El País, 22-08-2009. A tradução é do Cepat.
No dia 02 de agosto de 2009, após isolar parte do bairro árabe de Sheikh Jarrah em Jerusalém Oriental, a polícia israelense expulsou duas famílias de palestinos (mais de 50 pessoas) de suas casas e permitiu que alguns colonos judeus se mudassem imediatamente para as casas desocupadas. A polícia alegou estar cumprindo uma ordem do Tribunal Supremo do país, mas o fato é que as famílias árabes expulsas estavam vivendo aí há mais de 50 anos. O fato, que chamou a atenção da mídia mundial – coisa excepcional –, faz parte de um processo muito mais amplo e, em sua maior parte, ignorado.
Cinco meses antes, em 11 de março de 2009, informou-se que o Governo israelense havia elaborado planos para construir mais de 70.000 novas casas dentro de assentamentos judaicos na Cisjordânia; se esses planos forem levados a cabo, seria possível aumentar o número de colonos nos territórios palestinos em cerca de 300.000, um passo que não apenas inviabilizaria gravemente as possibilidades de um Estado palestino viável, como tornaria mais difícil a vida diária dos palestinos.
Um porta-voz do Governo desmentiu as informações e disse que os planos tinham uma importância relativa: para construir novas casas nos assentamentos era necessário a aprovação do ministro da Defesa e do Primeiro-ministro. No entanto, já foram aprovados 15.000 desses planos, e quase 20.000 das moradias previstas se encontram em assentamentos que estão longe da linha verde que separa Israel da Cisjordânia, ou seja, nas zonas que Israel não pode aspirar conservar em nenhum futuro acordo de paz com os palestinos.
A conclusão é evidente: ao mesmo tempo que, teoricamente, apóia a solução dos dois Estados, Israel está criando uma situação que na prática inviabiliza esta solução. O sonho sobre o qual se apóia esta estratégia fica patente no muro que separa a cidade de colonos da cidade palestina próxima a uma colina da Cisjordânia. O lado israelense do muro está pintado com a imagem da campina do outro lado, mas sem a cidade palestina e apenas com a natureza, a grama, as árvores... Não é o mais puro exemplo de limpeza étnica, imaginar o outro lado do muro assim como deveria ser, vazio, virgem, esperando ser colonizado?
O que significa tudo isto? Para captar a verdadeira dimensão das notícias, às vezes basta ler duas notícias em separado; o significado surge ao uni-las, como uma faísca que explode em um curto-circuito elétrico. No mesmo dia em que chegaram aos meios de comunicação notícias sobre o plano do Governo para construir 70.000 novas casas (2 de março), a Hillary Clinton
Teriam que permanecer passivos os palestinos enquanto lhes tiram as terras da Cisjordânia
O que acontece é o trabalho, lento mas constante, de tirar a terra dos palestinos da Cisjordânia: o estrangulamento gradual da economia palestina, o deslocamento de suas terras, a construção de novos assentamentos, as pressões sobre os camponeses palestinos até que acabem abandonando a sua terra (que vão desde a queimada das colheitas e das profanações religiosas até os assassinatos individuais), tudo isso respaldado por uma rede kafkiana de normativas legais.
Em Palestine Inside out: An Everyday Occupation, Saree Makdisi afirma que, mesmo que a ocupação israelense da Cisjordânia esteja nas mãos da Forças Armadas, na realidade é uma “ocupação mediante a burocracia”: suas armas fundamentais são os formulários, os títulos de propriedade, os documentos de residência e outras licenças. Esta micro-gestão da vida diária é a que garante a lenta mas firme expansão israelense. Tem de se pedir licença para visitar a família, para cultivar a terra, para cavar um poço, para trabalhar, para ir à escola ou a um hospital... Assim, os palestinos nascidos em Jerusalém perdem, um após outro, o direito de viver ali, de ganhar a vida, a moradia, e assim sucessivamente.
Os palestinos costumam empregar o problemático clichê de que a Faixa de Gaza é “o maior campo de concentração do mundo”, mas, no último ano, essa qualificação se aproximou perigosamente da verdade. Essa é a realidade fundamental que faz com que todas as “orações pela paz”, em abstrato, sejam escandalosas e hipócritas. O Estado de Israel está claramente implementando um processo lento e invisível ignorado pela mídia, uma espécie de luta subterrânea contra um topo, de tal forma que, um dia, o mundo acordará e verá que já não há mais uma Cisjordânia palestina, que a terra está livre de palestinos, e que não temos outro remédio senão aceitar os fatos. O mapa da Cisjordânia palestina já parece um arquipélago fragmentado.
Nos últimos meses de 2008, quando os ataques de colonos ilegais da Cisjordânia contra camponeses palestinos se tornaram diários, o Estado de Israel tratou de condenar os excessos (o Tribunal Supremo ordenou a evacuação de alguns assentamentos, por exemplo); mas, como advertiram muitos observadores, é inevitável ver essas ações como medidas pouco sérias para neutralizar uma política que, no fundo, é a política de longo prazo do Estado israelense, e que viola de forma incrível os tratados internacionais. O que os colonos ilegais dizem às autoridades israelenses é: estamos fazendo o mesmo que vocês, só que de forma mais aberta, de modo que: que direito vocês têm para nos condenar? E a resposta do Estado, definitivamente, é: sejam pacientes, não se apressem, estamos fazendo o que vocês querem, só que de maneira mais moderada e aceitável...
E a história se repete desde 1949: Israel, ao mesmo tempo que aceita as condições de paz propostas pela comunidade internacional, conta com o fato de que o plano de paz não vai funcionar. Os colonos descontrolados, às vezes, lembram Brunhilda no último ato de ValquíriaWagner, quando joga na cara de Wotan que, ao desobedecer a sua ordem explícita e proteger Siegmund, estava apenas tornando realidade os desejos dele, que se viu obrigado a renunciar a eles por pressões externas, como os colonos ilegais tornam realidade os verdadeiros desejos do Estado aos quais teve que renunciar por pressões da comunidade internacional. Enquanto condena os excessos violentos descarados dos assentamentos “ilegais”, o Estado israelense promove novos assentamentos “legais” na Cisjordânia e segue estrangulando a economia palestina.
Um olhar sobre o mapa mutante da Jerusalém Oriental, onde os palestinos estão cada vez mais encurralados e veem o seu espaço recortado, é suficientemente significativo. A condenação da violência anti-palestina alheia ao Estado oculta o verdadeiro problema da violência de Estado; a condenação dos assentamentos ilegais oculta a ilegalidade dos legais. Aí está a dupla medida da louvada – por imparcial – “honestidade” do Tribunal Supremo israelense: a base de ditar de vez em quando uma sentença a favor dos palestinos despossuídos e qualificar a sua expulsão de ilegal, garante a legalidade da maioria dos casos restantes.
E, para evitar qualquer mal-entendido, que fique claro que levar tudo isto em conta não implica, em absoluto, mostrar “compreensão” com os inescusáveis atos terroristas. Pelo contrário, oferece a única base a partir da qual é possível condenar os atentados terroristas sem hipocrisia.
Retirado de: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=25132 criticou o lançamento de foguetes de Gaza e qualificou o ato como “cínico”, para depois acrescentar: “Não há dúvida de que nenhum país, inclusive Israel, pode permanecer passivo quando seu território e sua gente sofrem ataques com mísseis”. diariamente? Quando os pacifistas israelenses apresentam o seu conflito com os palestinos em termos neutros e “simétricos” e reconhecem que em ambas as partes há extremistas que rechaçam a paz, deveríamos fazer-nos uma pergunta simples: o que acontece no Oriente Próximo quando não acontece nada no plano diretamente político-militar, isto é, quando não há tensões, ataques nem negociações? de
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