segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O filósofo mais "perigoso" do mundo

Um guia para o pensamento sinuoso e contraditório (e surpreendentemente popular) de Slavoj Zizek, filósofo que recupera a ideia de "verdade" e nos alerta para a iminência de uma catástrofe mundial


Para a imprensa conservadora, ele é o “filósofo mais perigoso do Ocidente”, como lhe definiu a revista norte-americana New Republic. Para o jornal britânico Observer, ele é o “messias superstar da nova esquerda”. O próprio Zizek também não tem lá maiores reservas ao se definir. Entre outros epítetos, o autor esloveno se propõe como um “comunista atípico”, um “esquerdista radical” e um “socialista que faz oposição a Marx”. Seja como for, a despeito das ressalvas de seus críticos e dos exageros de seus entusiastas, Slavoj Zizek é, desabusadamente, um intelectual público, um pensador radical e prolífico que não teme seus paradoxos e expia publicamente suas próprias contradições.

“Atualmente, com sua obra traduzida para cerca de vinte línguas, embora suas ideias geralmente sejam complexas, nenhum outro filósofo contemporâneo se iguala a ele em popularidade”, defende o professor Christopher Kul-Want, diretor da Bryan Shaw School of Art, de Londres, e autor de Entendendo Slavoj Zizek: um guia ilustrado. O livro foi publicado recentemente no Brasil pela editora Leya e é assinado em parceria com o ilustrador Piero. “Quais são as razões para a popularidade de Zizek? Muitas pessoas anseiam ouvir um filósofo que se dedica a pensar profundamente sobre problemas globais, como a pobreza, a ecologia e a repressão política”, completa.

A tarefa do professor não é nada simples. O “fenômeno” Zizek é formado por uma multiplicidade de contextos e ideias que, no geral, nos conduz a resultados contraditórios. Como lembra o psicanalista Christian Dunker, professor livre docente da USP, Zizek move-se tão rapidamente e toma posições de tal forma contrastantes, que nunca se consegue dirimir exatamente qual é seu projeto. “(Ele) não é um pensador sistemático que nos convida para a arqueologia e a reconstrução do movimento de seus conceitos; mas também não corresponde ao intelectual edificante, ensaístico ou opinativo, interessado apenas em questões pontuais e intervenções localizadas”, explica.

Para Dunker, o modo mais eficaz de captar a lógica de seus textos é atentar para a constância de seu estilo, que se desenvolve como intelectual engajado, um pensador que, sobretudo, toma posições. Kul-Want se vale desse expediente para apresentar o pensamento do esloveno em seu livro. Ou seja, Entendendo Zizek é menos uma porta de entrada às ideias do que um mapeamento do estilo e do engajamento do filósofo.

Nesse mapeamento, Kul-Want destaca algumas características gerais: a escrita de Zizek nasce de uma abordagem retórica do pensamento (ele escreve como quem fala); sua participação em polêmicas se dá sem brigas ou disputas abertas, estratégia desenhada para criar um espaço em que o interlocutor tenha de se posicionar sobre suas responsabilidades políticas e pessoais; e, principalmente, sua obra acena para a retomada da ideia de “verdade”.

“Depois de Nietzsche, o que restou foi a noção liberal de que todos os valores e crenças, bem como suas verdades associadas, são relativos e parciais. Contudo, Zizek se baseia firmemente na ideia de verdade, apesar de ela ter se tornado suspeita ou fora de moda”, diz Kul-Want. “Ele não entende a verdade como uma ideia espiritual ou metafísica relacionada com a existência de Deus ou um conjunto de princípios universais ou leis que governam o significado e o pensamento”. Para o filósofo esloveno, a verdade é uma compreensão das relações de poder que controlam a sociedade e das ideologias que impedem a sociedade de realizar a liberdade social e política. “Ele é essencialmente um filósofo político. Sua ambição é intervir no discurso político por acreditar que isso pode afetar as ideias das pessoas e ajudar a transformar a sociedade”.

Esse compromisso com a política não é apenas uma opção teórica. É, antes de tudo, para Zizek, uma questão de sobrevivência. Entre os tantos temas sobre os quais se debruça - da psicanálise ao cinema de Hollywood -, seus escritos convergem, no limite, para a denúncia de uma catástrofe mundial iminente e suas causas ideológicas. “Meu esquerdismo radical é mais o resultado de um insight pessimista. Vejo que estamos chegando perto de uma catástrofe, e não estou falando daquela profecia maia idiota”, Zizek explicou ao jornal Valor Econômico no ano passado. “Não se pode ir indefinidamente nesse caminho de desastres ecológicos, segregação racial, apropriação da criatividade intelectual e guerra biológica”.

O “perigo” de Zizek, afinal, talvez seja denunciar o quanto somos “perigosos” a nós mesmos.

SERVIÇO

Entendendo Slavoj Zizek
Autores: Chrstopher Kul-Want e Piero
Editora: Leya, 176 páginas
Quanto: R$ 24,90

Saiba mais

Slavoj Zizek
Nasceu em Liubliana, na antiga Iugoslávia, atual Eslovênia. Formou-se em filosofia e sociologia em 1971, pela Universidade de Liubliana. Atualmente, é professor no Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana e é diretor internacional da Universidade de Birkbeck, de Londres.

Em português
Desde 1974, Zizek já publicou mais de 50 livros. Alguns de seus principais títulos publicados em português são:
O Sublime Objeto da Ideologia (Jorge Zahar) - 1989

Bem Vindo ao Deserto do Real (Boitempo) - 2004

Em defesa das Causas Perdidas (Boitempo) - 2011

Vivendo no fim dos tempos (Boitempo) - 2012

O Amor Impiedoso (ou: Sobre a Crença) (Autêntica) - 2012

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2013/01/08/noticiasjornalvidaearte,2984097/o-filosofo-mais-perigoso-do-mundo.shtml

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