terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Tradução: Por que temer o espírito revolucionário árabe? (Slavoj Zizek)


Artigo escrito pelo filósofo Slavoj Zizek, para o Jornal The Guardian.

O que não pode senão saltar aos olhos nas revoltas na Tunísia e no Egito é a evidente ausência do fundamentalismo mulçumano. Na melhor tradição democrata secular, as pessoas simplesmente se revoltam contra um regime opressor, sua corrupção e pobreza, e exigir a liberdade e esperança econômica. A cínica sabedoria dos liberais ocidentais, secundo a qual, nos países árabes o genuíno sentido democrático se limita a uma estreita elite liberal enquanto a vasta maioria somente se mobiliza por meio do fundamentalismo religioso e o nacionalismo, se mostrou errada. A grande questão é o que vai acontecer depois? Quem irá emergir como o vencedor político?

Quando um novo governo provisório foi nomeado em Túnis, ele excluiu os islamistas e a esquerda radical. A reação dos presunçosos liberais foi “bom, eles são basicamente os mesmos; dois extremos totalitários” – mas as coisas são simples assim? O antagonismo a longo prazo não é precisamente entre os islamistas e a esquerda? Mesmo que estejam momentaneamente unidos contra o regime, uma vez que se aproximam da vitória, eles se dividem, eles se engajam em uma luta mortal, frequentemente mais cruel que compartilharam contra o inimigo comum.

Não presenciamos exatamente esta luta depois das últimas eleições no Irã? O que representavam as centenas de milhares de apoiadores de Mausavi era o sonho popular que sustentou a revolução de Khomeini: liberdade e justiça. Mesmo este sonho utópico, ele levou a uma explosão de criatividade politica e social de tirar o fôlego, experimentos organizativos e debates entre estudantes e pessoas do povo. Esta genuína abertura que desatou forças inauditas de transformação social, num momento em que tudo pareceu possível, foi depois gradualmente sufocada pela tomada de controle político realizada pela hierarquia islamista.

Até mesmo no caso de movimentos claramente fundamentalistas, deve-se cuidadosamente não descartar o componente social. O Talibã é regularmente apresentado como um grupo islâmico fundamentalista forçando sua regra com o terror. Entretanto, quando na primavera de 2009, eles tomaram o Vale do Swat no Paquistão, o New York Times relatava que eles arquitetaram uma “revolta de classe que explora profundas fissuras entre pequeno grupo de ricos proprietários e seus inquilinos sem-terra”. Se, ao “tirar vantagem” da desgraça dos camponeses, o Talibã está criando, nas palavras do New York Times, “alarme com os riscos que corre o Paquistão, que permanece majoritariamente feudal”, o que impediu, então, os democratas liberais no Paquistão e nos EUA de “tirar vantagem” dessa desgraça da mesma forma e tentar ajudar os camponeses sem-terra? Será que é porque as forças feudais no Paquistão são aliadas naturais da democracia liberal?

A inevitável conclusão a ser desenhada é que o surgimento do islamismo radical sempre o outro lado da moeda da desaparição da esquerda secular nos países muçulmanos. Quando o Afeganistão é retratado como o país ápice do fundamentalismo islâmico, quem ainda se lembra que a 40 anos atrás, ele era uma nação com uma forte tradição secular, incluindo um poderoso partido comunista que tomou o poder independente da União Soviética? Onde esta tradição secular foi?

É crucial ler os eventos atuais na Tunísia e no Egito (e Iêmen e…Talvez, esperançosamente, até na Arábia Saudita) contra este pano de fundo. Se a situação eventualmente estabilizar, de forma que o antigo regime sobreviva, mas com alguma cirurgia cosmética liberal, isso ira provocar uma insuperável reação fundamentalista. Uma chave para que o legado liberal sobreviva, é a necessidade de uma ajuda fraterna da esquerda radical. De volta ao Egito, a mais vergonhosa e oportunisticamente perigosa reação foi a do Tono Blair em resposta a CNN: a mudança é necessária, contudo deveria ser uma mudança estável. Mudança estável no Egito hoje pode significar somente um compromisso com as forças de Mubarak através de uma ligeira ampliação do circulo dominante. É por isso que falar de transição pacifica agora é uma obscenidade: ao esmagar a oposição, o próprio Mubarak tornou esta mudança impossível. Depois que Mubarak enviou o exercito contra os protestavam a escolha ficou clara: ou uma mudança cosmética no qual no qual se muda para ficar o mesmo, ou uma verdadeira ruptura.

Eis aqui então o momento da verdade: não é possível argumentar, como no caso da Argélia de uma década atrás, que a verdadeira eleição livre é igual a entregar o poder aos fundamentalistas islâmicos. Outra preocupação liberal é que não se tem uma organização politica para tomar o lugar quando Mubarak se for. É claro que não existe; Mubarak tomou o cuidado de reduzir toda a oposição ao nível de um ornamento marginal, de uma forma que o resultado é como um título de um famoso romance de Agatha Christie “And Then There Were None” (E Então não Sobrou Nenhum). O argumento em favor de Mubarak – é ele ou é o caos – é um argumento contra ele.

É de tirar o fôlego a hipocrisia dos liberais ocidentais: eles publicamente apoiaram a democracia, e agora, quando o povo se revolta contra os tiranos em nome da justiça e da liberdade seculares, e não em nome da religião, eles ficam profundamente preocupados. Por que a preocupação. Por que não a alegria que a liberdade esta ganhando uma chance? Hoje, mas do que nunca a máxima de Mao Tsé Tung é pertinente: “Há um grande caos sob os céus – a situação é excelente”

Então para onde deveria ir Mubarak? Aqui também a resposta é clara: para Haia. Se há um líder que merece estar lá, este líder é Mubarak.

Tradução: Rafael Leopoldo A S Ferreira
Original:Why fear the Arab revolutionary spirit?
Fonte: The Guardian (http://www.guardian.co.uk/ )

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